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Brasília – Era manhã de quarta-feira em São Paulo quando cerca de 50 pessoas se agitavam em um hotel na frente da televisão. Quinze dias após o acidente aéreo que matou 199 pessoas no Aeroporto de Congonhas, familiares das vítimas que ainda não haviam sido reconhecidas assistiam ao vivo à narração dos últimos 12 minutos de diálogo entre os pilotos do vôo 3054. As oito páginas de transcrições em inglês da caixa-preta de áudio do avião da TAM foram expostas no telão de um plenário da Câmara dos Deputados, sem uma leitura prévia das informações. Saber dos relatos de desespero em cadeia nacional, traduzidos simultaneamente por dois parlamentares da CPI do Apagão Aéreo escolhidos aleatoriamente, provocou a indignação da maioria dos parentes dos mortos.

"Foi algo sensacionalista. O ‘showzinho’ dos deputados não nos ajudou em nada a entender melhor o acidente", diz o administrador Luiz Fernando Moyses, 36 anos. Na quinta-feira, ele esteve em Brasília para entregar um manifesto assinado por 43 familiares de vítimas pedindo "uma investigação completa e transparente" da tragédia. A transparência, na visão de Moyses, passa pelo aprofundamento e cruzamento dos dados técnicos do acidente e não pela simples divulgação dos instantes de horror durante o pouso frustrado.

O administrador perdeu a esposa, Nadia Moyses, 32 anos. O casal morava em Porto Alegre (RS), de onde partiu o vôo. A advogada viajava para São Paulo para dar uma palestra sobre precatórios. "Minha sogra passou mal vendo tudo o que aconteceu na televisão. O pior é que eles divulgaram tudo isso em sessão aberta, mas as informações da caixa-preta de dados, que realmente acrescentariam algo sobre os motivos do acidente, foram tratados em uma reunião fechada."

Moyses foi ao Distrito Federal com a cunhada, Sabrina Bianchi, 33 anos, e o assessor parlamentar Raifran Almeida, 30 anos, que perdeu o irmão, a cunhada e uma sobrinha. Eles foram recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, antes, conversaram com membros das CPIs do Apagão Aéreo na Câmara e no Senado.

Almeida, que não teve os corpos dos parentes identificados, vestia uma camiseta com a foto dos familiares mortos.

O assessor parlamentar, que é de Manaus (AM), também criticou a maneira como os diálogos foram divulgados. "Muitos deputados se preocuparam mais com os gritos do que em saber o que se passava com os aparelhos do avião nos momentos antes do acidente", afirma. "A princípio todos falavam das famílias, da preocupação pelo nosso sofrimento, mas no fim acabaram nos chocando sem parecer que estavam ligando muito para isso."

"Teatro"

Moyses lamentou a maneira como os deputados Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e Luciana Genro (PSol-RS) "teatralizaram" a tradução dos diálogos. "Eles tentaram interpretar o que os pilotos sentiam, foi um absurdo. Algo para vender jornal, para aparecer."

O parlamentar paranaense explica que se sentiu desconfortável com a tarefa, mas que precisava fazê-la. "Foi uma das coisas mais desagradáveis da minha vida. Foi amargo, um filme com final ruim." O peemedebista ressalta que a iniciativa de divulgar as transcrições foi uma tentativa de "restabelecer o equilíbrio da informação".

Três dias antes do material contendo as informações das caixas-pretas serem entregues pela Aeronáutica à CPI, na terça-feira, a revista Veja publicou uma reportagem sobre o conteúdo delas. Depois, as informações vazaram para a Folha de S. Paulo. "Era preciso estabelecer o que era verdadeiro. Entre a versão e a verdade, levamos para o Brasil o que era a verdade."

A divulgação das informações criou um conflito entre membros da CPIs do Senado e da Câmara. O relator da primeira, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), disse que os deputados violaram acordos internacionais ao levar os dados a público, o que poderia ser encarado como falta de decoro. Como resposta, o presidente interino da CPI na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que ao menos os deputados estavam preocupados em trabalhar. "Eles não estiveram aqui no recesso, pelo que me lembre." No meio do tiroteio, familiares das vítimas e a sociedade brasileira, ainda em dúvida sobre os motivos do acidente.

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