
Uma gangue de Quitandinha, região metropolitana de Curitiba, colocou a pequena comunidade de Pangaré de joelhos no final do ano passado com quatro ataques de bombas incendiárias. Uma das agressões matou uma jovem e deixou gravemente ferida uma criança de 9 meses. Segundo a polícia divulgou nesta quinta-feira (12), os ataques fizeram com que um pastor trocasse o lar por uma cama improvisada nas salas de aula de uma escola.
O último e mais cruel ataque da gangue foi na noite de 20 de janeiro, quando um coquetel molotv - bomba caseira arma incendiária geralmente composta de uma garrafa de vidro, material inflamável e um pavio - destruiu uma casa e fez seis vítimas. Nayane Sodré, 19 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu no dia 29 do mês passado. Duas pessoas seguem internadas no Hospital Evangélico. Entre elas, a bebê de 9 meses Lorena Sodré. Os outros três receberam alta.
De acordo com as últimas informações obtidas pelo delegado Hertel Rehbein sobre a saúde das vítimas, a criança deverá ter enxertos na região da cabeça, braços e tórax. Os médicos estimam que 18% do corpo da criança foi queimado. "Pela minha experiência, a criança terá sequelas. Se não físicas, com certeza psicológicas", afirma o delegado, com quase 30 anos de experiência na Polícia Civil.
Outra vítima que segue recebendo atendimento médico é Patrícia Sodré, 27 anos. "Tiveram que dar anestesia geral para trocar os curativos dela e a situação ainda exige cuidados. Pode ser que ela perca um dos braços", conta o delegado, que diz monitorar as situações dos pacientes.
Algumas horas depois desse ataque a residência, grande parte dos moradores da localidade de Pangaré - que tem cerca de 300 residências - exigiu que a polícia prendesse três pessoas que foram vistas jogando a bomba. Após o protesto, que tomou a Estrada Principal da localidade, a Polícia Militar apreendeu um adolescente de 16 anos e prendeu o lavrador Luiz Fernando da Silva Quepe, 22, e o cantor de música sertaneja Gilmar Colaço dos Santos, 30. Apontado como o articulador dos ataques, o delegado Rehbein comenta que Gilmar é um dos mais perversos bandidos que conheceu.
Colaço foi indiciado por homicídio duplamente qualificado (por não dar chance de defesa e usar método cruel, fogo), tentativa de cinco assassinatos (um deles qualificado por quase matar uma criança) e por provocar incêndio.
Ele ainda pode responder pelo uso indevido de documentos, pois um calhamaço de certidões de nascimento em branco foram apreendidas na casa do suspeito. A perícia deve determinar ainda neste mês se os papéis são falsificados ou originais. Sobre os documentos, Colaço ironiza e declara que eram usados para "forrar a gaveta", segundo a Polícia Civil. Se condenado por todos os crimes, ele pode pegar até 30 anos de prisão, a pena máxima prevista no Código Penal do Brasil.
1ª bomba
O primeiro ataque com uma bomba caseira incendiária foi motivada por uma briga entre Colaço e um pré-adolescente no pátio da escola Caetano Munhoz da Rocha no começo de novembro do ano passado. De acordo com o depoimento de um pastor e professor da escola à Polícia Civil, Colaço esganava a criança. "O professor teve que intervir ou a criança seria morta", conta Rehbein.
Após o flagrante, Colaço teria dito que o pastor se arrependeria do que havia feito. O pastor, que tem 42 anos, passou a dormir na escola, temendo pelo pior. Ele nunca repetia a sala de aula em que dormia no dia seguinte. No dia 16 de 2008, uma bomba caseira foi atirada em uma sala de aula. O incêndio não se espalhou, apenas danificando uma cortina e o piso de madeira.
Consta no inquérito que investiga o caso um ofício assinado por esse pastor descrevendo a situação. "Não posso abandonar minha família", escreveu o homem no documento. O texto deixa claro que ele não mais dormiria na escola e a situação estava insustentável. O pastor registrou um boletim de ocorrência na Polícia Civil, que abriu um inquérito.
2ª bomba
Alguns dias depois do Natal, um contêiner cheio de doações de roupas e cestas básicas negociada por de Eliel Zaleski foi direcionada de Santa Catarina para Pangaré. O material era um excedente das enchentes que o estado enfrentou no final do ano. "Eliel ganhou prestígio, coisa sempre almejada pelo Gilmar", relata o delegado.
Segundo o delegado, testemunhas ouvidas contam que a mãe de Colaço foi até a igreja três vezes retirar um quinhão das doações no dia 3 de janeiro. Na terceira vez, levou uma dura dos organizadores das doações. À polícia, a mãe de Colaço negou.
Horas depois da suposta discussão, uma bomba incendiária foi jogada na casa pastoral onde as doações eram estocadas. Tudo foi perdido. Os padres e frequentadores da paróquia resolveram não fazer queixa desse ataque, por temer Colaço.
"Ele quis impor o que ele achava certo através do medo. E por um período, conseguiu", analisa o policial Rehbein, que comanda as investigações dos ataques.
3ª bomba
Para o delegado, o ataque seguinte deixa claro que uma hora ou outra Colaço desejava ferir ou matar seus inimigos de Pangaré. Uma nova bomba incendiária foi jogada em uma oficina mecânica cujo proprietário depôs contra Colaço em um termo circunstanciado por lesões corporais. Foi em plena luz do dia, em 15 de janeiro.
"O dono da oficina ligou para Eliel avisando que o próximo seria ele", disse o delegado. Desde então, Eliel deixou de ir ao trabalho para ficar em casa com sua mulher, Patrícia, e o filho, um garoto de seis anos de idade. Mais uma vez, nada foi dito à polícia. Mais uma vez, uma pessoa mudou sua rotina por causa de Colaço.
4ª bomba
A última bomba destruiu completamente a casa de Eliel e motivou a prisão em flagrante de Colaço e Quepe. Vários vizinhos apontaram que a dupla seria autora do crime. Os bandidos foram levados para Rio Negro, a 90 quilômetros de Curitiba, sede da Comarca de Quitandinha. Desde então estão presos.
Os suspeitos
Colaço, que diz ganhar a vida cantando músicas sertanejas em bares de Quitandinha, nega todas as acusações. Diz estar preso por engano e aponta locais onde estaria nos horários de todos os ataques. Ele mora a aproximadamente 200 metros da casa de Eliel, mas não prestou socorro. Moradores vizinhos da casa anotaram a placa de um veículo Vectra que saiu em disparada logo depois dos ataques. O carro pertence ao pai de Colaço.
Quepe, que a polícia ainda investiga a participação nos outros ataques, não quis declarar nada à imprensa. O adolescente está em uma unidade socioeducativa de Curitiba, onde deve passar por avaliações periódicas até a Justiça entender que ele está apto a voltar ao convívio social.
Um terceiro adulto chegou a ser investigado, mas a polícia descartou a participação dele nos crimes. "O caso está solucionado", afirma Rehbein.



