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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

Nunca se falou tanto de entrega legal de crianças para adoção, principalmente depois da lei que criou o Marco Legal da Primeira Infância. Gestantes contam com ajuda jurídica para ceder a guarda de recém-nascidos para as mais de 32 mil famílias que esperam para adotar uma criança.

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Apesar de ser o melhor caminho para uma gravidez indesejada - não só para a criança, mas também física e psicologicamente para a mulher -, essa possibilidade ainda é pouco conhecida ou incentivada. Na prática, apesar de o aborto ser rejeitado pela maioria da população brasileira, grupos ativistas o estimulam, abordando mulheres em momentos de maior fragilidade, sem falar de adoção.

Em entrevista para a Gazeta do Povo, a advogada Lília Nunes dos Santos, autora do livro “Atual Discussão sobre a Descriminalização do Aborto no Contexto de Efetivação dos Direitos Humanos”, explicou como funcionam as leis sobre a adoção no país e por que o aborto provocado, que é crime no Brasil (não punido em casos de estupro, risco de vida para a mulher ou quando a criança apresenta anencefalia), não é a melhor opção.

Como está a discussão sobre entrega legal no Brasil? 

Lília Nunes dos Santos: Ela se fortaleceu com o advento da Lei 13.257 de 2016, que instituiu o Marco Legal da Primeira Infância, onde a entrega voluntária da criança ao juízo da infância e da juventude pela gestante ou mãe que não deseja ficar com o filho não é mais considerada crime de abandono de incapaz antes tipificado no artigo 134 do Código Penal.

Também o avanço legislativo se deu com relação à edição da Lei 13.509 de 2017, a chamada Lei de Adoção, que trouxe alterações contundentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo então a regulamentação da entrega legal. Foi inserido o artigo 19A, o qual determina que a gestante ou mãe que demonstre interesse em entregar seu filho para adoção deverá ser encaminhada para a Justiça da Infância e Juventude. Então, o órgão irá realizar o processo de busca da família extensa dos parentes e posteriormente, caso a criança não seja inserida na família extensa, será encaminhada para a família acolhedora.

Esses dois marcos legais, ou seja, a Lei 13.257/2016 e a Lei 13.509/2017, trouxeram um grande avanço para a instituição da entrega legal e também para o afastamento do crime de abandono de incapaz, nas hipóteses em que a mãe decida entregar a criança na Vara da Infância e Juventude. Isso porque a nossa Constituição Federal, no artigo 226, parágrafo sétimo, institui o princípio da paternidade responsável, amparada no princípio da dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de toda construção da política legislativa e da política pública voltada para a criança, considerando o interesse do menor.

Além da Constituição, a legislação ordinária veio de encontro com essa proposta. E a partir de 2017, começou a ser objeto de discussões, seminários e campanhas, culminando então na construção de programas nos tribunais de justiça. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais que instituiu o “Programa de Entrega Legal”. Também o estado do Rio de Janeiro, que instituiu o programa “Entregar de forma legal é proteger”.

Temos programas também no TJ de Goiás, entre outros, que visam por meio dessa rede integrada de proteção à criança, seja rede de assistência, conselhos tutelares e a rede de saúde, conscientizar e informar as gestantes e mães sobre essa possibilidade. O objetivo não é incentivar que a mãe entregue o filho, pois o ideal é que seja criado pela família biológica, mas informar que essa entrega, caso seja necessária, não é um crime. Outro foco é orientar como isso deve ser feito de forma legal.

O incentivo ao aborto é maior do que o estímulo à entrega legal?  

Lília Nunes dos Santos: Não é maior. É importante destacar que a tutela jurídico-penal da vida humana foi abraçada pelo legislador ordinário desde a edição do Código Criminal do Império do Brasil em 1830, passando pelo Código Republicano de 1890, até o Código Penal de 1940, ora em vigor, nos quais a vida humana é erigida como o bem jurídico de mais estimado e elevado valor, incluindo a vida humana intrauterina.

Este sempre foi o sentimento do povo brasileiro e, portanto, a vontade popular manifesta por meio dos seus representantes no legislativo, de modo que, mesmo nos dias de hoje, as tentativas de descriminalizar o aborto por meio do Congresso Nacional nunca lograram êxito.

Por outro lado, existe uma agenda internacional que vem aos poucos se instalando no Brasil por meio das mídias, academia, movimentos sociais, partidos políticos e até mesmo de alguns grupos pertencentes aos órgãos jurisdicionais que, na contramão da lei, fomentam a anestesia das consciências com o argumento de que a prática do aborto consiste num suposto direito da mulher sobre seu corpo, sua autonomia e sua liberdade.

São esses grupos que incentivam o pretenso exercício da liberdade para matar o filho concebido, sem qualquer incentivo à entrega legal. Como observado em casos recentes julgados por tribunais brasileiros, cuja a interrupção da gravidez chegou a ser autorizada mesmo em gestação que já havia avançado, em muito, as 22 semanas.

O discurso e atuação que pretende a descriminalização e o acesso ao aborto, desconsiderando as soluções legais existentes, como a entrega legal, não demonstra uma preocupação genuína para com a mulher e para com a criança concebida, ou para com as famílias que aguardam na fila da adoção. Demonstra um total descompromisso com o bem da pessoa, com a fraternidade, a solidariedade, com os direitos humanos e com o bem comum. Por outro lado, sinaliza um compromisso com uma agenda individualista e utilitarista, que busca despertar nos seres humanos algo que é intrinsecamente contra sua própria natureza, contra a preservação da vida e da espécie.

Esse comportamento está relacionado com interesses financeiros?

Lília Nunes dos Santos: Quando se retira uma vida, se o Estado gasta com o procedimento do aborto, o custo com aquela criança se exaure ali. Com a mãe levando essa gestação adiante, é claro que terá um novo usuário do sistema de saúde. Mas existem ainda outros gastos que podem ser gerados em razão de desdobramentos dessa cirurgia [do aborto] para essa mãe, consequências emocionais e psíquicas.

Mas, muito além isso, quando se trata da preservação da vida humana não podemos fazer cálculos de quanto essa vida custa. Principalmente, quando falamos do cálculo por parte do Estado. Isso porque o Estado foi constituído para reconhecer a vida humana como um direito humano fundamental, deve preservar essa vida em sociedade. Ou seja, o Estado passou a existir e a razão de existir é a preservação da vida e o estabelecimento da paz social, não podendo esse mesmo Estado utilizar dos recursos públicos para tirar a vida de um ser humano inocente e indefenso. Tendo-se em conta que o seu papel é salvaguardar a vida dos mais vulneráveis e indefesos, não há que se falar em custos.

Além disso, falar de gastos faz parte de uma mentalidade pró-aborto, utilitarista. Uma mentalidade que vem avançando e que está ligada ao discurso do aumento populacional, com a possibilidade de escassez de recursos. Mas o que percebemos é uma queda significativa da natalidade nos países em que o aborto foi aprovado. Inclusive no Brasil, cujo o percentual de renovação da população, atualmente, está sendo muito inferior, ou seja, a população não está se renovando como deveria.

Então, é uma tentativa de implementação de uma agenda questionável em que não se fala do bem de um ser humano e o quanto esse ser humano sendo protegido pode ser um grande recurso e um grande valor para a sua família e sociedade. Por outro lado, cada um de nós e o Estado têm o dever de preservar a vida, a saúde e o melhor interesse da criança e do adolescente.

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