
Numa muito escura noite de lua nova, o cacique Auaulukumã se levanta para falar aos índios Waurá. "Queremos saber o que está acontecendo. Antes nós fazíamos a roça e sabíamos controlar o fogo. Agora ele escapa e foge, não para. Não era assim quando chegamos aqui. Antes nós sabíamos quando a chuva ia parar e quando ia voltar e agora não sabemos mais", reclama o índio.O cacique de 60 anos ecoa as dúvidas da comunidade de Piyulaga, no Parque do Xingu, assustada com os incêndios que nos últimos meses queimaram grandes áreas da floresta em toda região e também em volta de sua aldeia. Só nos três meses do inverno, foram 2.200 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E com a seca, os focos se espalham. Um deles, que começou a 15 quilômetros de distância, chegou muito perto das casas e ainda ardia naquela noite de 29 de setembro. Só acabou após a chuva do domingo, dia 2.
No momento em que comemoram 50 anos da primeira grande reserva indígena brasileira, os índios do Xingu travam uma batalha particular com o aquecimento global. Na semana passada, os Waurá criaram sua primeira brigada anti-incêndio, formada inicialmente por 16 integrantes, entre jovens e adultos, homens e mulheres, treinados pelo bombeiro Emilton Paixão, 40 anos, funcionário do Ibama, em Brasília. Anteriormente, ele treinou turmas de outras quatro aldeias de índios das denominações Kisedjê, Juruna e Kaiabi.
As brigadas aprendem a usar equipamentos como bombas de água (carregadas nas costas dentro de mochilas), abafadores semelhantes a vassouras, rastelos e enxadas. No caso dos Waurá, foram doados pela ONG Instituto Socioambiental. Outras entidades têm patrocinado iniciativas do gênero dentro e fora do Xingu.
Antes mesmo de as aulas terminarem, Paixão teve de ir a campo combater os focos que ocorriam na região, como a reportagem acompanhou por cinco dias. No mais das vezes, as chamas nada têm a ver com o que ocorre nas florestas dos Estados Unidos e na Europa, vítimas de grandes incêndios. No Xingu, o fogo é discreto e rasteiro, às vezes nem é detectado pelo satélite do Inpe que monitora as queimadas no Brasil. É um fogo que pega no tapete de folhas que caem das árvores e tradicionalmente serve de adubo para o solo pobre da região amazônica.
Combustível
Chamada de serrapilhera, essa camada de biomassa está ressecada pelo aquecimento regional e pela estiagem mais prolongada do que antes. Assim se tornou um poderoso combustível para o fogo rasteiro que nem mesmo parece destruir as florestas: as árvores seguem verdes por várias semanas até que morrem porque as raízes queimaram. O drama deste ano prepara o do ano que vem: essas árvores secas poderão ser iscas para novos incêndios na próxima estiagem.
O mais animado entre todos os que participam da brigada anti-incêndio dos índios Waurá é um líder da comunidade Piyulaga chamado Acari. Aos 42 anos, 1,80 m de altura, ele abraçou a causa e ainda levou a família: a mulher e a filha também fazem parte do grupo que ele comanda. Acari não é um nome Waurá. É carioca mesmo.
No ano 2000, quando o Brasil completou 500 anos, ele participou da minissérie A Muralha, da TV Globo, que contava a História do país. Ficou várias semanas no Rio e nas horas de folga seu programa era fazer compras na feira de Acari. Acabou adotando o nome. No ano passado, voltou às filmagens: foi selecionado para participar do filme Xingu, do cineasta Cao Hamburger, com estreia prevista para este ano, mas ainda sem data.



