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Indígenas tiveram de criar brigada anti-incêndio para tentar conter as chamas que ameaçam aldeias | Rogério Assis/Ag. O Globo
Indígenas tiveram de criar brigada anti-incêndio para tentar conter as chamas que ameaçam aldeias| Foto: Rogério Assis/Ag. O Globo

Desflorestamento

Bacia já perdeu 35% da mata

A chegada do período de chuva, no início de outubro, deverá estabelecer uma trégua para a luta do Xingu contra o fogo. Mas a perspectiva a longo prazo é sombria. A região foi desflorestada radicalmente nos últimos anos. Desde a criação do Parque, em 1961, a bacia do Rio Xingu, com cerca de 18 milhões de hectares (2,2 milhões ficam dentro da reserva), já perdeu cerca de 35% da sua cobertura de florestas. Considerando que o parque indígena perdeu apenas 10% de sua mata, a área fora das zonas de proteção perdeu 43% da mata.

Voar sobre o Xingu impressiona quem ainda guarda a imagem das florestas exuberantes: fazendas de soja e gado ocupam o entorno do parque com corte raso das florestas, o que provoca o ressecamento da mata remanescente, em um ciclo trágico que explica o fogo que escapa ao controle dos índios.

A mesma tendência ocorre em várias outras regiões da Amazônia, inclusive em áreas de preservação legal. A degradação completa da floresta amazônica, que parecia impossível quando aventada por cientistas como Philip Fearnside, do INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia), em 1988, está se realizando com velocidade. E a consequência da redução das florestas é o ressecamento do ar e o aumento da ocorrência de grandes secas, como as de 2005 e 2010, as maiores da História.

Um estudo publicado na revista Science de 4 de fevereiro deste ano, chamado "The 2010 Amazon Drought" — A Seca de 2010 na Amazônia —, de autoria do brasileiro Paulo Brando e outros pesquisadores, prevê novas estiagens dessa magnitude. Sua conclusão é sombria: as secas somadas aos incêndios, provocados pelo homem ou não, e o desflorestamento apontam para a degradação generalizada ou perda total da floresta amazônica.

Alguns focos têm início nas próprias aldeias

Os casos de incêndios que escapam do controle se repetem. Em setembro, um grupo de índios fez uma fogueira quando pescava perto do Posto Leonardo, re­­gião central do parque. Se­­gundo o índio Matã, 54 anos, em pouco tempo o fogo estava longe. "A gente só ouvia o barulho." Por três semanas continuamente ele foi se espalhando ao longo de 15 quilômetros, sempre próximo da estrada que liga o posto à aldeia dos Waurá. O fogo acabou servindo de teste prático para a brigada anti-incêndio dos Waurá.

Outro caso aconteceu na al­­deia de Ngojwere, dos índios Kisedjê. No dia 18 de agosto, uma criança deixou cair uma vela, provocou uma chama que foi levada pelo vento de casa em casa, pegando na cobertura de sapé, até o fogo devastar tudo em poucos minutos.

Numa muito escura noite de lua nova, o cacique Auaulukumã se levanta para falar aos índios Waurá. "Queremos saber o que está acontecendo. Antes nós fazíamos a roça e sabíamos controlar o fogo. Agora ele escapa e foge, não para. Não era assim quando chegamos aqui. Antes nós sabíamos quando a chuva ia parar e quando ia voltar e agora não sabemos mais", reclama o índio.O cacique de 60 anos ecoa as dúvidas da comunidade de Piyu­­laga, no Parque do Xingu, assustada com os incêndios que nos últimos meses queimaram grandes áreas da floresta em toda região e também em volta de sua aldeia. Só nos três meses do inverno, foram 2.200 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). E com a seca, os focos se espalham. Um deles, que começou a 15 quilômetros de distância, chegou muito perto das casas e ainda ardia naquela noite de 29 de setembro. Só acabou após a chuva do domingo, dia 2.

No momento em que comemoram 50 anos da primeira grande reserva indígena brasileira, os índios do Xingu travam uma batalha particular com o aquecimento global. Na semana passada, os Waurá criaram sua primeira brigada anti-incêndio, formada inicialmente por 16 integrantes, entre jovens e adultos, homens e mulheres, treinados pelo bombeiro Emilton Paixão, 40 anos, funcionário do Ibama, em Brasília. Anteri­­ormente, ele treinou turmas de outras quatro aldeias de índios das denominações Kisedjê, Juruna e Kaiabi.

As brigadas aprendem a usar equipamentos como bombas de água (carregadas nas costas dentro de mochilas), abafadores semelhantes a vassouras, rastelos e enxadas. No caso dos Waurá, foram doados pela ONG Instituto Socioambiental. Outras entidades têm patrocinado iniciativas do gênero dentro e fora do Xingu.

Antes mesmo de as aulas terminarem, Paixão teve de ir a campo combater os focos que ocorriam na região, como a reportagem acompanhou por cinco dias. No mais das vezes, as chamas nada têm a ver com o que ocorre nas florestas dos Estados Unidos e na Europa, vítimas de grandes incêndios. No Xingu, o fogo é discreto e rasteiro, às vezes nem é detectado pelo satélite do Inpe que monitora as queimadas no Brasil. É um fogo que pega no tapete de folhas que caem das árvores e tradicionalmente serve de adubo para o solo pobre da região amazônica.

Combustível

Chamada de serrapilhera, essa camada de biomassa está ressecada pelo aquecimento regional e pela estiagem mais prolongada do que antes. Assim se tornou um poderoso combustível para o fogo rasteiro que nem mesmo parece destruir as florestas: as árvores seguem verdes por várias semanas até que morrem porque as raízes queimaram. O drama deste ano prepara o do ano que vem: essas árvores secas poderão ser iscas para novos incêndios na próxima estiagem.

O mais animado entre todos os que participam da brigada anti-incêndio dos índios Waurá é um líder da comunidade Piyulaga chamado Acari. Aos 42 anos, 1,80 m de altura, ele abraçou a causa e ainda levou a família: a mulher e a filha também fazem parte do grupo que ele comanda. Acari não é um nome Waurá. É carioca mesmo.

No ano 2000, quando o Brasil completou 500 anos, ele participou da minissérie A Muralha, da TV Globo, que contava a História do país. Ficou várias semanas no Rio e nas horas de folga seu programa era fazer compras na feira de Acari. Acabou adotando o nome. No ano passado, voltou às filmagens: foi selecionado para participar do filme Xingu, do cineasta Cao Ham­­burger, com estreia prevista para este ano, mas ainda sem data.

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