
O engenheiro Luiz Groff foi multado quatro vezes em apenas dois minutos por um policial militar, em Caiobá, em janeiro. O militar anotou que o veículo de Groff estava estacionado em fila dupla, à frente de guia rebaixada e de entrada de propriedade e, além disso, o condutor estava sem cinto de segurança. No local da aplicação das multas, contudo, a via é de pista única, além de não existir guia rebaixada nem entrada de propriedade. "Só paramos o carro para trocar o motorista, porque minha esposa e neta iam ficar em um restaurante. O guarda disse que iria me multar por estacionar em fila dupla", conta. Mesmo fotografando o local da multa, a defesa prévia foi indeferida.
Groff não é exceção, pois apenas 8% dos recursos protocolados no Detran são aceitos. De 2008 para 2009, as defesas apresentadas ao órgão cresceram 6,5%, saindo de 25.878 para 27.588. O total de explicações aceitas, porém, manteve-se estável. Há dois anos, 2.030 recursos foram deferidos, somando 7,8%; no ano passado, 2.242, ou 8,1% dos recursos, foram aceitos. As penalidades com maior número de recursos impetrados são avanço do sinal vermelho, trafegar em até 20% acima da velocidade da via, estacionamento irregular, falta de cinto de segurança e uso do celular. Casos como a falta do uso de cinto de segurança se repetem com frequência e têm como prova apenas a palavra do agente de trânsito.
Enquanto a Constituição Federal prevê a inocência até prova em contrário, o agente público tem presunção de legitimidade, e seus olhos são o meio de comprovar as ilegalidades, conforme o Artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). No embate entre a palavra do condutor e a do funcionário público, há tendência de se aceitar a versão deste último, sobrando ao motorista a tarefa de provar sua inocência. Os funcionários públicos, porém, são passíveis de erro, além de cometerem atos comprovados de má-fé. Em 2007, a agente da Diretran Luciane Estela Barros Domingues foi indiciada por aplicar 14 multas irregulares (veja matéria ao lado).
Fé pública
Na visão tradicional do Direito Administrativo, no qual se enquadram o trânsito e as fiscalizações sanitárias, por exemplo, parte-se do princípio de que o agente tem fé pública. "Isso faz com que decorra a inversão do ônus da prova. Ou seja, o condutor deve provar sua inocência", afirma Marcelo Araújo, professor de Direito de Trânsito do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR). "Esses julgamentos são administrativos, estão fora da alçada do poder judiciário, havendo tendência de reconhecer a presunção de legitimidade do funcionário público", esclarece.
Por outro lado, o coordenador do mestrado em Direito do Unicuritiba e doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP, Daniel Ferreira, interpreta a questão de forma diversa. "Entendo que entre a palavra do guarda e a do acusado, prevalece a do motorista, porque as provas são de mesma ordem e se anulam, mesmo que o condutor esteja mentindo", diz. Os administradores do trânsito costumam analisar a questão pelo viés tradicional, dando preferência à palavra dos agentes. Para Ferreira, o motivo para a postura contrária dos órgãos se deve à ignorância jurídica e ao descaso. "Isso aumenta a vulnerabilidade dos cidadãos frente ao poder público", avalia.
Coordenador de Infrações do Detran, Gustavo Fatori explica que a palavra do agente é considerada prova assim como os meios eletrônicos (confirmação de excesso de velocidade, por lombadas eletrônicas e radares, e de teor alcoólico pelo bafômetro). "Erros e multas erradas são exceções no universo de infrações aplicadas", diz. Mesmo em cidades onde o trânsito é municipalizado, o Detran responde por penalidades relacionadas à regularidade do veículo. A fiscalização é de responsabilidade de policiais militares, que podem perder o direito de exercer a função caso se constate ilegalidade na aplicação de multas.
Afastamento
Apenas um agente de trânsito da Diretran foi afastado de suas funções por ato comprovado de má-fé, conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Urbanização no Paraná (Sindiurbano), Valdir Mestriner. De acordo com ele, somente Luciane Estela, que aplicou 14 multas ilegais, deixou de exercer a função nos últimos anos. De acordo com a Urbs, de um total de 387 agentes de trânsito atuando em Curitiba, 42 foram afastados entre janeiro de 2009 e junho de 2010. Nesse número, estão incluídas as dispensas solicitadas pelos próprios agentes, pedidos de afastamento médico e o fim dos contratos de experiência. A Urbs não informa o total de demissões por erros.
* * * * * *
Interatividade
A palavra do agente de trânsito deve ter mais peso do que a do motorista?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.



