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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A investigação conduzida por uma força-tarefa da Polícia Civil levantou evidências da existência e atuação contínua de um grupo de extermínio formado por policiais militares em Londrina, no Norte do Paraná. Os indícios apontam que a ação do “esquadrão da morte” envolvia a execução indiscriminada – sem “alvos” pré-estabelecidos –, a adulteração dos locais em que os assassinatos ocorreram e a implantação de armas junto às vítimas, para simular confrontos. O grupo teria envolvimento direto em pelo menos 17 ataques ocorridos em janeiro deste ano, que somaram 17 mortes e 17 feridos.

Estão presos quatro policiais militares e um publicitário – apontado como “guardador” de armas do grupo. As investigações começaram após a chamada “Noite do Terror”, em que 11 pessoas foram assassinadas e 17 baleadas, em retaliação à morte de soldado Cristiano Botino. A maior parte das vítimas estava nas ruas e algumas sequer tinham passagem pela polícia. A investigação – cujo sigilo foi quebrado nesta semana – vai apontar a relação entre os ataques e participação de policiais da 4ª Companhia da Polícia Militar (PM).

Execução em Londrina

Câmeras de segurança mostram instantes que antecederam a execução de um homem, na chamada "noite do terror", em Londrina, e que teria tido a participação de policiais militares.

+ VÍDEOS

Entre as provas, está um vídeo gravado por câmeras de segurança na madrugada do dia 30 de janeiro, quando ocorreu a série de ataques. As imagens mostram o soldado Wilson Alex Bianchi desembarcando armado de um Palio e entrando em casa, na Zona Norte. O carro cruza com o rapaz, faz o retorno e se aproxima. O jovem era Wagner Honório, o “Madruga”, e foi executado por vários tiros em seguida, poucos metros além do alcance da câmera (veja o vídeo).

Pouco depois, Bianchi sai de casa e aparenta fazer uma ligação pelo celular. Em minutos, um comboio de três carros chega ao local de crime e seus ocupantes descem. A investigação destaca que os veículos chegaram alinhados em perfil “operacional” – apenas o automóvel que vinha à frente trazia os faróis acesos. O modelo dos carros bate com a descrição de veículos usados em outros ataques da “noite do terror”. Para a força-tarefa, eles seriam integrantes do grupo de extermínio.

Adulteração

Dos 17 ataques investigados pela força-tarefa, há indícios de que pelo menos sete locais em que os crimes ocorreram foram adulterados. Em todos, foram recolhidos cápsulas de projéteis, dificultando ou impossibilitando a realização de perícias - o que configura crime de fraude processual . Segundo testemunhas, uma das cenas foi adulterada pessoalmente por um capitão da PM, que teria recolhido estojos de munições. Vizinhos, no entanto, conseguiram recolher e guardar duas cápsulas, cuja numeração da base permitiu identificar que a munição pertence a um lote adquirido pela PM.

Grupo guardava armas para adulterar cenas de execução

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Além disso, um policial militar recolheu o aparelho que armazenava imagens das câmeras de segurança da casa onde ocorreu uma chacina em que quatro pessoas foram executadas e três foram baleadas. O equipamento jamais foi apresentado às autoridades. O agente foi reconhecido por sobreviventes da chacina como o soldado Jefferson José de Oliveira, que está preso. Outros policiais ainda teriam limpado o local, sumindo com cápsulas de projéteis.

PM afirma não compactuar com abusos

Por meio de nota, a Polícia Militar do Paraná afirmou não compactuar com abusos de seus integrantes. A instituição ressaltou que seus policiais têm “formação voltada ao policiamento comunitário e aos direitos humanos”. Por isso, a PM disse ainda que, tão logo receba “oficial e formalmente” os documentos sobre o caso, vai instaurar os processos administrativos para avaliar se os policiais permanecerão na corporação. O texto frisa ainda que será garantida a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal aos acusados.

A força-tarefa

A força-tarefa foi instaurada por ordem da Secretaria de Segurança Pública (Sesp) logo após a série de execuções, que ficou conhecida por “noite do terror”. Os trabalhos foram conduzidos pela elite da Polícia Civil - o Grupo Tigre e Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), além da Delegacia de Homicídios de Londrina.

“A PM lembra ainda que os eventuais desvios de conduta não condizem com a realidade dos relevantes serviços prestados pela instituição, de modo que tais condutas não podem ser generalizadas, pois denigrem toda uma instituição e seus integrantes”, concluiu a assessoria de imprensa.

Sem manifestação

O advogado Cláudio Dalledone Júnior, representante dos cinco policiais presos, disse que não teve acesso integral ao inquérito e, por isso, preferiu não se manifestar sobre as investigações. “Eu repudio veementemente todo e qualquer vazamento de informações e provas relacionadas às investigações. Após ter acesso aos autos, me manifestarei à respeito”, disse.

Nesta semana, a Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Paraná (Assofepar) convocou uma coletiva em que também criticou a divulgação de informações das apurações.

Executados não tinham antecedentes criminais

Pelo menos oito pessoas executadas nos ataques investigados pela força-tarefa da Polícia Civil nem sequer tinham antecedentes criminais. Outras nove vítimas que foram baleadas, mas sobreviveram, também não tinham passagem pela polícia. Três homens assassinados já haviam respondido por crimes graves que envolvem emprego de violência, como roubo ou homicídio.

“Meu filho nunca foi malandro. Eu ficava em cima. Nem tatuagem deixei ele fazer, porque sou de igreja e não gosto dessas coisas. Eu ficava no pé”, disse o pai de um dos jovens executados. “Ele tinha trabalhado o dia inteiro e foi numa festinha na rua de cima. Ele já estava voltando para casa quando aconteceu”, lamentou.

Entre as vítimas sem passagem pela polícia estão os jovens Allan Bonifácio Martins e Rafael Vergínio Barros, de 19 anos, que foram executados quando voltavam para casa. Eles estavam em uma moto Honda CG 125, quando foram atingidos por uma série de disparos, na Zona Norte de Londrina, na chamada “noite do terror”.

Apesar de vários disparos terem sido deflagrados, apenas um estojo e um projétil foram recolhidos. O soldado Jefferson Oliveira foi reconhecido por testemunhas como um dos primeiros a chegar ao local. Testemunhas apontaram que policiais militares empurraram projéteis e cápsulas para um bueiro. Uma vizinha recolheu um estojo e, no dia seguinte, ligou para a PM, mas teria sido orientada a “jogar no lixo” o material.

Ataques investigados

1 - Homicídio

Data: 26/01 – 1h25

Local: Rua Maria Sinopoli Francovig, 1153, Conjunto Semiramis, Londrina

Vítima: Alifer Francisco Silva, 22 anos

Resumo: Atingido por cinco tiros em frente da casa em que morava. Cena teria sido adulterada.

2 - Homicídio

Data: 26/01 – 2h00

Rua Santo Tomioso, bairro Parigot de Souza, Londrina

Vítima: João Carlos Felipe da Silva Sarge, o “Baiano”, 16 anos

Resumo: Morava com o tio, era usuário de drogas e pequeno traficante. Não houve testemunhas.

3 – Homicídio

Data: 26/01 – 22h40

Local: Rua Mario Gobo esquina com Rua Antônio Martins, Jardim Eucalipto, Londrina

Vítimas: Claudemir da Silva Oliveira, 33 anos, e Emerson Gambarotto, de 36 anos (com antecedentes por roubo).

Resumo: Uma moto teria passado atirando em frente ao bar em que estavam.

4 – Homicídio

Data: 26/01 – 23h10

Local: Rua Francisco de Assis Fernandes Ruiz, 1316, Conjunto Luís de Sá, Londrina

Vítima: Wesley Silva de Jesus, 24 anos (passagem por homicídio)

Resumo: atiradores mataram-no dentro de casa, com vários tiros. Mulher e filhos escaparam

5 – Homicídio

Data: 27/01 – 00h10

Local: Rua Nilton Leopoldo Câmara, esquina com a Rua Juvenal Egger Filho, Conjunto Farid Libos, Londrina

Vítima: Raul Fagner da Silva, 17 anos

Resumo: seria um pequeno traficante. Foi morto a tiros. Testemunhas apontam participação de dois carros.

6 – Homicídio

Data: 28/01 – 4h50

Local: Rua Gino Tomiozo, Conjunto Novo Amparo, Londrina

Vítima: Indiovan da Corte Tavares, 20 anos (passagem por roubo)

Resumo: Executado por quatro homens, que chegaram em um Palio.

7 – Chacina

Data: 29 de janeiro – 22h

Vítimas fatais: Guilherme Veiga, de 28 anos (sem passagem), Cleverson Ramos de Almeida, 28 anos (sem passagem), Mateus Modesto, 23 anos (sem passagem) e Walcy Gomes de Souza Júnior, de 30 anos (sem passagem).

Baleados: Dois jovens de 21 anos (ambos sem passagem) e um homem com passagem por roubo e tráfico.

Resumo: Homens armados quebraram os vidros do portão e dispararam indiscriminadamente contra todos que estavam dentro da casa, onde participavam de um jantar. Policiais que atenderam a ocorrência limparam a cena do crime, sumindo com cápsulas e projéteis e com o equipamento que armazenava imagens das câmeras de segurança.

8 – Homicídio

Data: 30 de janeiro – 2h50

Vítima: Adriana Rodrigues, de 34 anos

Baleados: três jovens sem antecedentes

Resumo: carro de cor escura passou atirando nos frequentadores de um bar. Cena do crime foi adulterada, segundo testemunhas.

9 – Tentativa de homicídio

Data: 30/01 – 1h30

Local: Rua Guilhermo Negro, próximo ao numeral 90, Jardim Califórnia, Londrina

Vítima: Alejandro Adrian Alves, de 15 anos (sem antecedentes)

Resumo: Ocupantes de um carro desceram atirando contra a vítima, que conseguiu se esconder. Em seguida, um capitão da PM teria isolado a área e recolhido cápsulas. Um estojo de projétil pego por testemunhas foi entregue à Polícia Civil. Munição pertence a lote comprado pela PM.

10 – Duplo homicídio

Data: 30/01 – 3h00

Vítimas: Allan Bonifácio Martins, de 19 anos (sem antecedentes), e Rafael Vergínio Barros, de 19 anos (sem antecedentes)

Local: Rua Orlando Silva, Bairro Vila Isabel, Londrina

Resumo: voltavam para a casa de motocicleta, quando foram atingido por série de disparos. Local foi adulterado por policiais, que recolheram as cápsulas e projéteis.

11 – Homicídio

Data: 30/01 – 01h30

Local: Avenida Pedro Boratin, 03, bairro dos Eucaliptos, Londrina

Vítima: Moisés Zeferino Neto, de 21 anos (sem antecedentes)

Baleado: um rapaz

Resumo: Ocupantes de um carro chegaram à rua, perguntando se jovens tinham drogas e, sem seguida, abriram fogo.

12 – Tentativa de homicídio

Data: 30/01 – 2h20

Local: Rua Anibal Balaroti, no bairro Vista Bela, Londrina

Vítima: um homem de 35 anos (antecedentes por roubo)

Resumo: Ocupantes de um carro atiraram de dentro do veículo, acertando o homem, que correu. Carro fez abordagens em uma pizzaria e em uma casa, a procura do baleado. Cápsulas apreendidas fazem parte de lote vencido pela polícia.

13 – Homicídio

Local: Rua Henrique Bruneli, 491, bairro Avelino Vieira, Londrina-PR

Data: 30/01 – 2h40

Vítima: Icaro Faria de Araújo, 18 anos (sem antecedentes)

Baleado: rapaz de 22 anos

Resumo: Vítimas seriam usuárias de drogas e foram surpreendidas por um carro, cujos ocupantes chegaram atirando. Cápsulas e projéteis foram retirados do local do crime.

14 – Homicídio

Data: 30/01 – 02h57

Local: Rua Antonio Rodrigues Aranda, 217, Jardim Moema, Londrina

Vítima: Wagner Honório, de 36 anos

Resumo: Ocupantes de um carro que tinha acabado de deixar um policial em casa encontrou a vítima no caminho e a executou a tiros. Vídeo mostra a ação.

15 – Tentativas de homicídio

Data: 30/01 – 01h00

Local: Rua Roberto Conceição, 159, Jardim São Lourenço, Londrina

Baleados: dois adolescentes (sem passagens) e um homem (com passagem por roubo).

Resumo: Vítimas estavam em um bar, quando uma motocicleta parou e seus ocupantes abriram foto. Jovens seriam “vapores”, que distribuíam pequenas quantidades de drogas.

16 – Tentativa de homicídio

Data: 30/01 – 2h50

Local: Avenida Theodoro Victorelli, no bairro Interlagos, Londrina

Baleados: homem de 28 anos (sem antecedentes) e homem de 24 (com passagem por roubo)

Resumo: Estavam nas ruas, quando ocupantes de um carro que passou atiraram diversas vezes.

17 – Tentativa de homicídio

Data: 30/01 – 3h13

Local: Rua Izabel Guilhen Garcia, bairro João Turquino, Londrina

Baleados: Quatro homens, sem passagens

Resumo: Estavam em um bar, quando atiradores passaram abrindo fogo. Indícios de que cápsulas e projéteis foram removidos do local.

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