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Extintores, placas de ruas, sinalização de estrada, indicadores de banheiro e até avisos de piso molhado fazem parte da lista de itens furtados por um universitário de 20 anos, com a justificativa de ajudar amigos moradores de uma república a decorar o apartamento. E de enfeitar também a atlética da faculdade.

"Na atlética tem um telefone antigo. A gente foi na balada, coloquei embaixo do braço e envolvi com a blusa. Lá na república tem aquelas mulheres de anúncio de banca de jornal, tem extintor, plaquinha de banheiro, tem aquelas plaquinhas de chão molhado", lista o estudante que, por pouco, não cita um orelhão. "Uma vez a gente tentou um orelhão. Estava todo destruído, nem funcionava. Era um orelhão de ficha que ia ficar ‘animal’ lá na sala da república. Só que não deu certo porque a gente não conseguiu tirar. A gente não tinha ferramenta."

O rapaz, que cursa o terceiro ano de publicidade em São Paulo, alega que os furtos não passam de brincadeira. "Sei que pode ser meio fútil falar isso, mas é mais para divertir, ter uma decoração mais diferente, ter umas histórias para contar, dar risada. Eu sei que se o prefeito da cidade lesse, ouvisse isso, ele ia falar um monte."

"É uma brincadeira estúpida", afirma sem rodeios o criminalista Mário de Oliveira Filho, coordenador da comissão de direito humanos da OAB-SP. "Isso é furto. Isso é crime. É uma coisa que deveria ser mais severamente acompanhada pelo seguinte: quem faz isso são pessoas de um certo nível social e cultural que têm pleno conhecimento de que isso é um ataque ao patrimônio público. Você está fazendo gracinha com o patrimônio dos outros."

Apesar da série de furtos, o estudante de publicidade nunca teve problemas com a polícia. "A gente não é vândalo que sai destruindo a cidade para decorar. Mas tudo o que estiver fácil, achou legal, o pessoal vai atrás. Às vezes você sai assim na cara-de-pau mesmo, sem pedir para ninguém. Aí se alguém pára a gente, dizemos: ‘Ah, não pode levar? Achei que podia’."

Um dos moradores da república, que abriga estudantes de engenharia, administração e publicidade, nega que cometa qualquer crime. Ele e os amigos têm uma vasta coleção de objetos em casa, que inclui cavaletes, sinalização de supermercado e propaganda de revista. "A gente não vai lá, rouba e sai correndo. Tá lá na rua, a gente pega. Placa, a maioria que a gente pega está no chão. Nunca chegamos a subir no poste e arrancar a placa", justifica.

Oliveira Filho sugere que objetos recolhidos sejam devolvidos ao poder público. "Se a placa está quebrada, está caída, ela não está abandonada. Ela caiu. O patrimônio público não jogou fora. Pega isso, e leva na subprefeitura para que eles façam a recolocação."

Não foi o que fizeram três amigos que dividem uma república na região da Avenida Paulista e guardam no apartamento uma placa da Rua Pamplona, onde moram. "Teve um acidente que quebrou a placa. Ela caiu e ficou largada lá. A gente até chegou a pedir para o policial que estava lá, mas ele falou que não podia porque a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) ia passar para recolher", conta um deles, produtor musical. Mais tarde, no entanto, os rapazes levaram a placa para casa. O trio também tem dois cones furtados.

Todo mês, a CET faz a reposição de 385 cones e 1,2 mil placas na cidade de São Paulo. Cerca de 10% dessas trocas são motivadas por furtos. A companhia estima que, em toda a cidade, haja 391.700 placas.

Lembrança de família

Uma indicação de rua com o nome do bisavô foi o que o então universitário Marcos, hoje advogado, levou com os amigos da cidade de Uchôa, a 416 km de São Paulo. O furto mobilizou a polícia.

"A cidade é pequena e acabou chegando na polícia que foi a gente que pegou. Deu o maior rolo. Procuraram meu avô, que era o filho do cara da placa, para falar ‘seu neto e os amigos dele estão fazendo besteira’", conta o rapaz, de 24 anos. "As conseqüências não foram graves. "Quando disseram o nome da rua, ele (o avô) começou a dar risada, caiu na gargalhada", revela Marcos, que guarda até hoje esse pedaço da história da família. Ele diz no entanto que agora, formado, não tem nem tempo para o que considera uma brincadeira.

O jovem advogado concorda em parte com o criminalista Oliveira Filho e se diz apto a defender quem tenha que responder por esse tipo de delito. "Ele está certo, mas a gente teria alguns argumentos. Na verdade, nunca pensei nisso. A gente pratica o ato e acaba não pensando nas conseqüências. Mas para tudo tem uma defesa."

Na delegacia

Em Bauru, a 329 km de São Paulo, quatro jovens acabaram detidos em flagrante após furtar o Bauruzinho, uma réplica do sanduíche símbolo da cidade. Na república também foram encontrados carrinhos de supermercado e placas de trânsito.

Os amigos ficaram presos por 16 horas. Por não terem antecedentes, respondem em liberdade ao processo por furto qualificado. A recuperação do objeto levado pelos estudantes custará cerca de R$ 5 mil à prefeitura de Bauru.

Oliveira Filho ironiza. "Isso aí tudo é, na verdade, um grande esgarçamento desse tecido moral e cívico das pessoas. Elas não tem amor por nada, pela cidade em que vivem, pelo patrimônio que representa a cidade. Um dia vão parar no Ibirapuera, encostar o caminhão e arrancar o obelisco."

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