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O pagode com Arlindo Cruz acontece na quinta | Reprodução www.tcvultura.com.br/bembrasil
O pagode com Arlindo Cruz acontece na quinta| Foto: Reprodução www.tcvultura.com.br/bembrasil

História que está no mapa

A cientista social e antropóloga Ana Luisa Fayet Sallas, da UFPR, é uma das autoridades locais em estudos de juventude. Ela desenvolveu uma extensa pesquisa na virada da década de 90 para os 2000 com adolescentes de Curitiba. Na sua opinião, o quadro de marginalidade e abandono dos jovens pode ser revertido com política públicas de geração de emprego.

"Não sou partidária de derrotismo ou otimismo. Creio que é necessário ver o quadro social tal qual ele é hoje – e ele é extremamente preocupante – os indicadores sociais e de concentração de renda no Brasil já são indicativos do que temos", comenta, com base no último Mapa da Violência publicado pela Unesco. O documento mostra que jovens da periferia de Curitiba são totalmente excluídos – pois não têm trabalho nem inserção na escola, além de mais vulneráveis aos riscos da violência: são os que mais morrem e os que mais matam. "Falta fazer um debate sobre o país que queremos e o futuro das novas gerações. É fundamental romper de todas as formas possíveis com a idéia do jovem pobre violento – pois a violência está em todas as classes sociais", reforça a pesquisadora, sobre o pacto em prol da juventude que o Brasil precisa fazer.

Houvesse uma campanha a favor do jovem no Brasil, o desempregado Wagner Casagrande, 24 anos, poderia ser o garoto-propaganda do governo. Negro, pobre, morador da Vila das Torres, em Curitiba, ele nunca soube o que é ter uma carteira assinada. Desde 2004, não sabe também o que é ter um emprego fixo. Anda meio arisco e até deixou de procurar uma vaga nos reclames dos jornais. Afinal, quando chega para a seleção, tem a impressão de que é sempre o primeiro a ser dispensado. A "limpa" nos candidatos, garante, é sempre feita a partir de quem estudou menos, e Wagner entrou na escola aos 14 anos e saiu aos 20, na 8.ª série. "Conheço toda a rapaziada da vila. Se tem 10% empregado, é muito", garante.

Estima-se que a Vila das Torres tenha 8,5 mil moradores – cerca de 65%, segundo os líderes da Vida Nova, ONG que congrega cerca de 15 associações do bairro – estão entre 7 e 15 anos. É um lugar de gente jovem. Se a conta de Wagner estiver certa, é bem provável que a próxima geração de moradores da mais famosa vila de Curitiba esteja comprometida pela falta de estudos e competitividade no mercado de trabalho.

Não é um privilégio local. Embora com números imperfeitos, pouco mais de 20% da população brasileira que está na faixa dos 15 aos 24 anos tem de desatar nós semelhantes ao da moçada da vila.

Semana passada, o futuro foi o prato do dia em conversa com lideranças das Torres e uma dezena de jovens da comunidade. À vontade em seu próprio território, eles não se intimidaram e mostraram a cara. Deu para ver que, embora pareçam um bando de meninos em revoada, como outros tantos, eles são muito diferentes entre si. Em comum – a dura fala de quase garotos que não sonham com a universidade e com nenhuma reviravolta em suas vidas.

Gesiel de Souza, 16 anos, cursa o ensino médio. "Mas haja paciência. Não sei até quando vou agüentar", diz, sobre a escola. Ele não entende boa parte do que é passado nas aulas, mas permanece porque acredita que o estudo pode representar uma chance no ramo da informática. "Todo mundo diz que eu sou bom nisso", avisa o adolescente que quer um emprego e levar uma vida simples na vila em que nasceu.

Elvis de Souza, 15, está cursando a 5.ª série pela terceira vez, mas a família o estimula a continuar. Em outra situação, teria evadido e estaria catando papel com os pais. Ele tem mais um motivo para se manter com os livros na mão: descobriu a street dance e se achou. As aulas são apenas no sábado, mas Elvis já se alistou com a turma do hip-hop das Torres, com folga, a única iniciativa com fôlego para vencer as determinâncias da pobreza.

Jonathan da Silva, 16, não teve a mesma sorte de Elvis. Ele acaba de abandonar a 5.ª série e já cata papel todo dia. "Tenho dificuldade de acompanhar as aulas."

O rapper Esdrey Bittencourt, 22 anos, do duo MCDee e Branco Favela [o próprio], desconversa todo mundo. O problema, resume, é a divisão entre ricos e pobres. Ele parte desse diagnóstico para mandar ver uma das falas mais cortantes da noite: menino da vila, dispara, cresce com complexo de favelado, nunca vai estudar na Federal e vive revoltado com o que não pode ter. "A gente vive assistindo a um espetáculo com coisas a que não temos alcance."

O líder comunitário Cláudio Santos, o Claudinho, 37 anos, ouve a moçada e dá laço de fita na conversa com a teoria da cerca invisível. Ele dá vários exemplos do "alarme" que soa a cada vez que um jovem da periferia ocupa um espaço público – o shopping ou o Jardim Botânico, ali bem perto. "Tem sempre alguém vigiando. Acaba que a gente não se vê nesses ambientes. Queremos avançar, mas tem sempre uma força empurrando o jovem para o seu reduto", constata. "Como vai ser quando o meu filho estiver num lugar desses sozinho?"

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