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Geografia do Caos| Foto:

Como denominar os grupos delinqüentes de Curitiba? O tema é tão polêmico nos gabinetes quanto nas ruas. No sentido restrito, o termo designa a organização criminosa similar àquela popularizada nos Estados Unidos da década de 1920, na figura de Al Capone, líder de um grupo hierarquizado e violento. Assim, para alguns policiais e estudiosos a capital paranaense não teria gangue, não aquela de perfil criminoso que povoa o imaginário popular, pois os "clubinhos" daqui não teriam estrutura de crime organizado. Para outros, porém, eles são gangues.

Oficial de projetos do Unicef, Mário Volpi estuda há 15 anos o comportamento dos grupos juvenis e não acha justo igualá-los ao crime organizado. "São grupos de curta duração, reflexos de uma fase da vida adolescente, e nem todos têm a violência como forma de expressão", diz, embora admita que eles possam se reunir para demarcar território, pichar ou cometer delitos. Já a socióloga Mírian Abramovay, há 15 anos estudando o fenômeno, os considera gangues. Não têm a estrutura dos grupos norte-americanos, mas, segundo ela, a conceituação é a mesma.

O coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná, Pedro Bodê, reconhece nessas agremiações um comportamento anti-social, mas não criminoso. "Não significa que não haja criminalidade, mas isso é coisa rara", diz o sociólogo. Já para o major Douglas Sabatini Dabul, eles são assim rotulados por puro preconceito. "Se estão vestidos com roupas mais simples, são logo taxados de gangue".

Repressão

Bodê tem uma explicação. Há no imaginário social a representação do jovem perigoso que, em gangues, perambula pela cidade pronto para atacar. Ele interpreta a invenção do termo gangue como justificativa moral para aumentar a repressão aos jovens, para a redução da maioridade penal e o endurecimento das penas. Como parcela significativa das chamadas "classes perigosas", o jovem transgressor seria também um pretexto para a militarização das polícias e a policialização das políticas públicas de atendimento a esse público.

A repressão se dá pela raça e a geografia, nos subúrbios das metrópoles ou quando negros e grupos de jovens desses lugares tentam acessar os serviços de lazer e trabalho nos centros urbanos ou em outras áreas que não o seu espaço habitual de circulação. Em Curitiba são os "vileiros", que aproveitam o ônibus a R$ 1 no domingo para ir ao shopping, onde muitas vezes são barrados por causa das roupas. O sociólogo francês Jean Baudrillard entende a violência como decorrência de uma hiper-modernidade na qual todos almejam a fama, embora efêmera.

Dessa forma, a atuação desses grupos, predominantemente do sexo masculino, estaria mais para o exibicionismo e a afirmação da masculinidade do que para a violência. Porém, por vezes a socialização passa por processos de violência, admite Bodê. "O que leva a isso?’’, questiona. A resposta está no mundo adulto, referência para o comportamento juvenil, mas que pode provocar uma dissonância cognitiva capaz de levar à transgressão das normas quando fala uma coisa e faz outra.

Um desses exemplos está no hábito de os pais criticarem as drogas ao mesmo tempo que fumam e bebem. O jovem vê isso como uma transgressão natural das normas, perdendo a noção dos limites e dos valores positivos ou negativos. Na falta de quem imponha os limites necessários ao aprendizado, vai para as ruas se reunir com os amigos e testar a autoridade do estado. E nesse meio vai construindo sua identidade com o grupo que o acolheu, seja ele uma gangue ou não.

Diretor do Centro de Socioeducação de Curitiba, o sociólogo e mestre em Educação Francesco Serale diz que os jovens são levados a se agregar pela necessidade de pertencimento. "Ele não tem importância na família, nem na escola, nem na comunidade, então busca um grupo que o faz se sentir vivo, importante", analisa. Daí, nasce uma devoção quase incondicional. "Mas é exagerado dizer que todos sejam gangues", pondera. Para ele, só é gangue quando sai dos padrões aceitos pela sociedade e passam causar danos a ela.

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