Higienópolis, Bom Retiro e Jardins, bairros da cidade de São Paulo, estavam nesta segunda-feira (29) em clima de festa judaica. Na vitrine de algumas lojas lia-se "shana tova", um espécie de feliz ano-novo em hebraico. Os judeus comemoram até o fim da tarde de quarta-feira (1º) o Rosh Hashaná, o ano-novo judaico - que diferente do calendário ocidental, chegou a 5769. Dos 65 mil judeus que escolheram o Estado de São Paulo para morar, 60 mil estão na capital, formando assim a maior colônia no País.
Não por outro motivo, supermercados, restaurantes e lojas estavam cheias de mães judias, que saíam carregadas de pacotes. Dentro deles, havia chocolates, para presentear amigos, pães e pratos típicos, que fariam parte do Rosh Hashaná.
Todas estavam com pressa. As festividades começam ao anoitecer desta segunda (29) e, por volta das seis horas da tarde, os homens, principalmente, já deveriam estar recolhidos nas sinagogas. "E a maioria das mulheres, em casa arrumando a mesa para a ceia", diz Helena Goldenstein, de 85 anos, nascida na Polônia. "A esta altura, a ceia está pronta em banho-maria, porque nesses dois dias os mais ortodoxos não trabalham, não andam de elevador, não dirigem, nem apagam e acendem as luzes de casa." No sábado (27), Helena foi ao cabeleireiro e comprou R$ 1 mil em chocolates para desejar um ano doce aos amigos.
Mesmo os judeus não ortodoxos tiram esses dias para ficar com a família. "É um período feito para repensar a vida, fazer um balanço do que já passou", diz Samuel Seibel, de 54 anos, dono da livraria da Vila, um judeu nada ortodoxo. "Ninguém estoura champanhe. É um período introspectivo."
Pratos de difícil e demorada execução compõe a tradicional ceia, conhecida por ser rica e cheia de elementos simbólicos. "Nesta época, a colônia procura o que tem de mais tradicional", diz a chef Andréa Kaufmann, do AK Delicatessen, representante de uma gastronomia judaica mais moderna. Pensando nisso, Andréa inclui em seu cardápio guefilte fish, espécie de musse de peixe, fornecido por uma mãe judia, especialista em receita típica da época.
Entre talentosas cozinheiras de tradição judaicas, destaca-se Rebeca Zakon, de 70 anos, dona do restaurante kosher do clube Hebraica, no Jardim Paulistano. Num domingo comum, ela serve 400 refeições. Ainda cozinha para hospitais e para todas as linhas aéreas. "Estou há uma semana trabalhando das cinco horas da manhã às seis da tarde", diz ela, que coordena uma equipe de 30 pessoas. "Neste Rosh Hashaná tivemos o dobro de encomendas em relação ao ano passado."
A israelense Shoshana Baruch, de 59 anos, proprietária do Shoshi Delishop, no Bom Retiro, centro da capital paulista, teve de recusar encomendas. "As pessoas sabem que domino as tradições. Hoje, os mais jovens trabalham e não vão para a cozinha. Antigamente, as avós cozinhavam, as mães ajudavam e as filhas aprendiam", diz Shoshana, considerada a tradicional mãe judia. "No meu restaurante, ninguém pode deixar comida no prato. "
Para Boris Ber, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, esse aumento na venda de ceias é sinal da volta dos jovens à religião. "A busca da identidade religiosa passa por esse lado gastronômico", explica. "A comunidade judaica sempre foi unida. Por isso, sobreviveu até os dias de hoje."



