Opinião: Reforma ou "restauração"
A "restauração" da ponte São João é um caso clássico de vitória do interesse econômico. As intervenções no desenho original da obra, uma das joias arquitetônicos da centenária ferrovia Curitiba-Paranaguá, foram feitas sob a ótica do negócio, consequência da privatização. Era preciso fortalecer uma estrutura que já não suportava o fluxo de mercadorias e o peso de composições cada vez maiores. E assim foi feito, a despeito do valor histórico da ponte.
Um ano depois do acidente, quando 35 vagões despencaram de uma altura de 55 metros, a ALL entregou a "restauração". O aço original, trazido da Bélgica, foi trocado por um tipo diferente de aço, mais moderno e resistente. A estrutura erguida com o sangue e o suor de operários no século 19 ganhou o reforço inconseqüente de soldas, sem qualquer preocupação estética.
Uma derrota do patrimônio histórico, que agora, com a decisão da Justiça, pode felizmente ser revertida. Mesmo seis anos depois do acidente, ainda dá tempo de virar esse jogo.
Sérgio Luis de Deus, é editor de Vida e Cidadania e cobriu o acidente na ponte São João para a Gazeta do Povo em julho de 2004
Obras antigas alteraram planta, diz ALL
A ALL informou em nota que na reforma de 2005 "foram observados todos os procedimentos para assegurar a recuperação da edificação, de modo a manter seu estilo arquitetônico e as características originais do projeto".
A ponte sobre o Rio São João, danificada por um descarrilamento em julho de 2004, na Serra do Mar, terá de ser restaurada pela América Latina Logística (ALL). A decisão é do juiz Fernando Andriolli Pereira, da Comarca de Morretes. Na sentença, divulgada na última terça-feira, o magistrado afirma que as intervenções feitas pela ALL descaracterizaram o projeto arquitetônico original, datado do século 19. A empresa que opera a ferrovia Curitiba-Paranaguá tem 90 dias para apresentar um plano de restauro à Secretaria de Estado da Cultura (Seec), mas informou que irá recorrer da sentença. O juiz estipulou ainda uma multa de R$ 100 mil por dia caso a decisão não seja cumprida, além do pagamento de 1% do faturamento de 2009 da ALL como indenização.
Há seis anos, um acidente com uma composição que carregava milho, açúcar e farelo causou sérios danos na estrutura da ponte. Na época, a ALL fez reparos emergenciais e em 22 dias a estrada de ferro voltou a operar. Mas somente um ano e 30 dias depois é que uma reforma completa foi concluída. O governo do estado afirma que a obra foi feita sem um projeto de restauro e teria modificado o plano original. Em 2005, o setor de Proteção Ambiental da Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrou com uma ação civil pública na Justiça estadual exigindo a restauração.
A empresa alega que não poderia utilizar os mesmos materiais na reforma feita em 2005 porque a construção é de 1885 e não haveria mais peças semelhantes. A ponte antiga tinha rebite, estrutura semelhante ao parafuso, em suas ligações e passou a ser soldada. Além disso, o aço utilizado no século 19, importado da Bélgica, não é mais fabricado. Por isso, de acordo com a concessionária, foi necessário outro material.
As procuradoras Ana Claudia Graf e Heloísa Borges afirmam que a ponte pertence ao conjunto da Serra do Mar, um bem tombado pelo patrimônio histórico e, portanto, deve ser preservada. Na época do acidente, a empresa se comprometeu a apresentar um plano de restauro à Seec em um termo de ajustamento de conduta firmado com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e o Ibama, mas não o fez.
A arquiteta e coordenadora do Patrimônio Histórico da Seec, Rosina Parchen, afirma que uma obra de restauro demanda tempo e mão de obra especializada. Para ela, o sistema de construção da ponte é significativo para a história do Paraná e deve ser preservado. "A ponte é uma verdadeira obra de arte. O trabalho para construí-la há mais de cem anos é imensurável". Segundo ela, o reparo feito pela ALL deixou a ponte em boas condições técnicas, mas modificou o original. Rosina acredita que um leigo consegue perceber as diferenças entre antes e depois.
A Ponte São João foi projetada e construída pelos irmãos Rebouças em um processo semelhante ao da Torre Eiffel entre os anos de 1882 e 1884. Tem 110 metros de comprimento e um vão de 70 metros. A construção tinha um alto grau de dificuldade na época pela impossibilidade de transpor os abismos da Serra do Mar. O deputado estadual e ex-prefeito de Curitiba Rafael Greca afirma que muitos imigrantes europeus trabalharam na obra, que teria tido a presença da princesa Isabel na inauguração. "São toneladas de aço belga que não podem ser remendadas com concreto. Mesmo que leve cinco anos para ser reconstruída, vale a pena", diz, defendendo o restauro.
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