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Participantes do júri simulado do caso Renato Freitas. O vereador também participou do evento
Participantes do júri simulado do caso Renato Freitas. O vereador também participou do evento| Foto: Reprodução

Liberdade religiosa e racismo estrutural foram os temas em destaque no júri simulado sobre o caso envolvendo o vereador Renato Freitas (PT), nesta quinta-feira (9), no auditório da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, que fica no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em fevereiro, Freitas liderou uma manifestação que culminou com a invasão da Igreja do Rosário, em Curitiba. Por causa da disso, ele pode ser cassado pela Câmara Municipal de Curitiba e perder o mandato.

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O evento ganhou o nome de “Brasil em Julgamento” e permanece disponível online. Realizado pelo Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), o evento agrupou lideranças do Direito contrários e a favor da cassação do mandato do vereador. Acusação e defesa puderam se manifestar. Apesar de não ter sido dado um veredito, o tom preponderante dos discursos foi em defesa do vereador.

Em geral, os defensores do parlamentar argumentaram que ele sofre perseguição, motivada por racismo estrutural. E os acusadores citaram o artigo 208 do Código Penal, sobre a liberdade religiosa, que prevê reclusão de um a três anos para quem impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso.

Para Ludmila Lins Grilo, juíza no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e professora de Direito Penal, ficou configurado o dolo. “Quando uma manifestação entrou num ambiente sacro, ela ganhou outro significado. Neste caso, o dolo do réu está perfeitamente configurado, a intenção da manifestação era perturbar a missa”, destacou.

Além dela, Paulo Cremoneze, membro do Instituto dos Advogados de São Paulo, que também participou da acusação, reforçou a crítica quanto à conduta do parlamentar petista. “Ele não é um terrorista, mas também não é um injustiçado. É um homem que, independentemente da vida que teve, invadiu uma igreja”, salientou.

Do lado da defesa, o frei David dos Santos, fundador da ONG Educafro, declarou que o assunto envolve outras questões, além da liberdade religiosa, citou Jesus Cristo e afirmou que Renato Freitas era um símbolo da luta conta o racismo. “O assunto é bem mais amplo. Renato é só um símbolo. O que o grupo de manifestantes fez foi permitir que o torturado na cruz [Jesus Cristo], 2 mil anos atrás, pudesse abraçar a dor do torturado num quiosque do Rio de Janeiro”, declarou, fazendo referência aos assassinatos do congolês Moïse Kabagambe e do estoquista de supermercado Durval Teófilo Filho, que motivaram o protesto diante e no interior da Igreja do Rosário.

Na acusação, o deputado federal Hélio Lopes afirmou que Freitas deveria pedir desculpas à nação brasileira pelo seu ato. “Eu peço desculpas a todos que se sentiram ofendidos com a atuação do vereador. Aconselho que peça perdão à nação brasileira e a Deus”.

Coordenador do evento, William Douglas Resinente dos Santos, desembargador federal e doutor em Direito Constitucional, se posicionou a favor do vereador. “Eu era a favor da punição, mas fui convencido do contrário. Essa cassação do mandato é arbitraria. Eu, baseado na Constituição, sou contra o banimento de Renato Freitas. Este seria o fim carreira política dele”, argumentou.

Racismo

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que atua na defesa de Freitas e é ligado ao PT, também caracterizou o caso como perseguição motivada por questões raciais: “Nós estamos tratando de racismo. Você ousou ser eleito em uma cidade que quer branquear a Câmara dos Vereadores. Estamos julgando a sociedade brasileira, e não o Renato”, defendeu.

Já Ludmila Lins Grilo rebateu: “A cor do Renato não importa aqui. O que aconteceu foi invasão, e não manifestação de liberdade de expressão. Eu diria a mesma coisa, seja para um negro, um branco ou um japonês”, enfatizou.

A juíza que conduziu os trabalhos do júri simulado, Ivone Ferreira Caetano, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, direcionou perguntas ao vereador, que participou do evento, que apontavam a falta de representatividade dos negros na Câmara Municipal de Curitiba. “Quantos vereadores negros a cidade tem?”, perguntou. Ao que ele respondeu: “Num universo de 38, apenas três”.

Na abertura do evento, um grupo musical que toca gaita de fole e leva o ensino do instrumento para comunidades carentes, tocou a canção Amazing Grace, escrita pelo pastor anglicano, ex-traficante de escravos e abolicionista John Newton. No encerramento, a desembargadora voltou a ressaltar a temática do racismo. “Existe um projeto, criado desde a colonização, para encaixotar o negro. Dificilmente o negro acessa, numa instituição, o lugar de poder. Aqui o racismo se professa diária e diuturnamente”, disse Ivone Caetano.

O próprio vereador se manifestou: “Se nós negros precisarmos da legitimação de uma sociedade branca que compõe a maioria dos juízes, dos parlamentares, os proprietários das mídias, estaremos dando nossos destinos nas mãos dos nossos algozes”.

As afirmações sobre racismo também foram rebatidas por Paulo Cremonese. "A lei tem que ser respeitada, independente da etnia. Ele cometeu um crime, que precisa ser punido, ou todos vão se sentir legitimados a invadir espaços religiosos", destacou.

Já o frei e representante da Educafro opinou que, ao entrar na igreja, os manifestantes estavam se expressando de forma democrática. “A Bíblia diz: ‘Bem-aventurados os tem fome e sede de justiça’. E foi isso o que essas pessoas fizeram ao entrar na igreja”. Simone Schreiber, desembargadora federal e diretora-geral do CCJF, concordou: “O Renato representa a democracia brasileira. Sua expressão é legítima”.

Em posição contrária, o presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc) e estudante de Direito João Daniel Silva salientou que a conduta do vereador ao invadir a igreja não pode ser minimizada. "Tolerância não exclui responsabilização. Vivemos sob a égide do Estado de Direito, que não permite que condutas criminosas sejam perdoadas sob o pretexto de compensação de uma suposta dívida humanitária", disse Silva.

Relembre o caso

Em 5 de fevereiro deste ano, o padre Luiz Haas estava conduzindo a missa de sábado na Igreja do Rosário, no Centro de Curitiba, enquanto um grupo de manifestantes liderados pelo vereador Renato Freitas (PT) ocupava a escadaria do templo e gritava palavras de ordem, prejudicando a celebração religiosa.

"Isso é de propósito, para atrapalhar a nossa missa. Não sei que grupo é. Mas na hora da missa não precisa fazer isso", disse o padre. O sacerdote chegou a ir à escadaria para conversar com os militantes, sem sucesso. Pouco tempo depois, o grupo invadiu a igreja - a defesa nega a entrada forçada.

Os manifestantes levaram bandeiras e faixas até o altar enquanto gritavam palavras de ordem. Renato Freitas discursou e disse que os católicos tinham apoiado um "policial que está no poder".

Já o advogado de defesa do vereador, Guilherme Gonçalves, não acredita que se possa falar de invasão na igreja, já que a porta estava aberta e a missa já tinha terminado. Apesar de o vídeo feito durante a missa registrar que o barulho da manifestação estava atrapalhando a cerimônia, o que inclusive foi apontado pelo padre várias vezes durante a missa, Gonçalves nega também que os manifestantes teriam perturbado o ato religioso.

Apesar de o vereador aparecer nas imagens discursando dentro do templo, Gonçalves frisa ainda que ele teria sido um dos últimos a entrar no local. "Não é verdade que ele comandou o ato ou que o Renato atrapalhou a missa, ou que estava entre as pessoas que discutiram com o padre", afirma.

Segundo ele, a desproporcionalidade como algumas pessoas estão avaliando o fato seria a prova de que, caso o vereador seja cassado, o motivo seria a existência de um "racismo estrutural". "Da forma como o assunto foi conduzido, é evidente que vai legitimar um discurso de racismo estrutural, é a minha convicção", afirma. Para o advogado, caso ele seja punido pela Câmara Municipal de Curitiba, não será pelo ato na igreja, mas por ser negro, pobre, da oposição e de esquerda.

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