Curitiba O Estatuto do Desarmamento passará por uma nova prova na próxima semana. Está prevista para terça-feira a votação no plenário da Câmara da Medida Provisória 394 que traz novas disposições para determinações da lei do desarmamento aprovada em 2003. Caso o texto do relator da MP o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) seja aprovado, a legislação sobre armas no país ficará mais flexível.
Entre outras medidas, o texto proposto por Pompeo permite aos cidadãos que respondem a inquérito policial ou processo criminal possuir armas de fogo e aumenta o prazo para a apresentação de exames de capacidade técnica e aptidão psicológica para a renovação do registro da arma de três para cinco anos. "Eu não estou dando porte de armas para as pessoas, quero facilitar o registro e o controle do Estado", justifica o deputado, que fez campanha favorável ao comércio de armas no plebiscito de 2005 e recebeu R$ 120 mil de empresas de armas e munições para financiar sua campanha no ano passado.
O parecer apresentado pelo deputado propõe modificações em 14 dos 34 artigos do Estatuto do Desarmamento. Tantas mudanças não estavam nos planos do governo. O texto enviado pela presidência previa apenas a redução no valor das taxas para a regulamentação de armas e a prorrogação para a renovação do registro das armas que se encontram irregulares atualmente até 2 de julho de 2008.
"Vamos lutar para que o texto original seja aprovado. Somos contrários à qualquer medida que flexibilize o que a duras penas conseguimos", afirma a deputada Iriny Lopes (PT-ES), que coordena a frente no Congresso que é contra as mudanças no Estatuto. Iriny se baseia em dados dos ministérios da Saúde e da Justiça para comprovar a eficiência do Estatuto na diminuição da violência. "Nos municípios que foram campeões na entrega de armas de fogo, houve uma redução significativa no número de homicídios", diz a parlamentar.
Dados desses ministérios indicam que entre 2003 ano de aprovação do Estatuto e 2006, houve uma redução de 12% no número de mortes causadas por armas de fogo no país. "Dizem que depois do Estatuto diminui o número de mortes. Pode até ter acontecido isso, mas não podemos afirmar que a redução nos homicídios seja fruto do Estatuto, porque ele não conseguiu diminuir significativamente o número de pessoas armadas no Brasil", rebate Pompeo.
Segundo informações do Sistema Nacional de Armas (SINARMs), existem 3,8 milhões de armas de fogo registradas no Brasil. O número é muito superior à quantidade que foi recolhida na campanha do desarmamento, 450 mil cerca de 11,8% do universo atual. "No referendo de 2005, os brasileiros mostraram que não querem se desarmar, então, por que eles entregariam suas armas?", indaga Pompeo (PDT-RS).
Traço cultural
A dúvida que fica da pergunta do deputado é: por que os brasileiros querem continuar armados? Para o professor de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Lindomar Boneti, a resposta para esta pergunta passa por dois pontos: um traço cultural arcaico e a complexidade dos centros urbanos, que ampliam a sensação de insegurança.
"Nas sociedades tradicionais se criou essa cultura do porte da arma no sentido de proteção em virtude da inexistência de outras organizações protetoras. Associou-se, então, a imagem do homem forte, macho, à arma. Essa cultura ainda está muito presente em ambientes tradicionais e menos desenvolvidos socioculturalmente. Nas sociedades urbanas e modernas, a arma continua presente porque o estado não consegue promover ações que transmitam a sensação de segurança aos cidadãos e eles então procuram soluções indivuiduais", explica o sociólogo.
O coordenador do Centro de Estudos de Violência e Direitos-humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, considera que os brasileiros ainda relacionam as armas a um discurso passional. "As pessoas ignoram décadas de pesquisas que indicam como as armas estão relacionadas a diversas tragédias e permanecem armadas na ilusão de que conseguirão se defender no caso de serem vítimas de uma agressão. Mas isso é uma ilusão. O número de pessoas que consegue se salvar de uma agressão é muito pequeno. Cerca de 80% das pessoas que têm uma arma e reagem se ferem gravemente, quando não morrem", comenta Bodê.
Segundo o professor, a letalidade das discussões quando um dos envolvidos possui uma arma de fogo é muito maior do que quando não há armas na situação. "A arma é um ingrediente que facilita a violência e causa finais trágicos à situações que poderiam ser resolvidas em uma conversa", afirma Luiz Antônio Brener Guimarães, integrante do núcleo Vida, Segurança e Direitos Humanos da organização não-governamental (ONG) Guayí, que faz parte da rede Desarma Brasil.
Exemplos para a situação descrita por Guimarães não faltam. No início da semana passada, um fim de namoro virou tragédia no litoral paulista. Há poucos meses, uma discussão entre o síndico de um prédio de classe média de Curitiba e um dos condôminos resultou em uma morte e uma tentativa de homicídio. Para Boneti, os brasileiros se matam por motivos banais por uma questão educativa. "Quanto maior a capacidade de argumentar, menor a necessidade do uso de armas. Quando estamos em uma sociedade com um nível educacional menor e uma cultura armamentista forte, como o Brasil, temos as situação de mortes por motivos banais."



