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Favorecimento - Indústria de armas financia deputados

Ao todo, foram propostas 123 emendas parlamentares que solicitam alterações no Estatuto do Desarmamento. Quatro deputados federais que receberam verbas das indústrias de armas em suas campanhas eleitorais propuseram algumas dessas mudanças no texto do Estatuto.

• Pompeo de Mattos (PDT-RS). Recebeu R$ 60 mil da fabricantes de armas Forja Taurus e mais R$ 60 da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). Existem 24 emendas parlamentares de sua autoria relacionadas ao Estatuto.

• Moreira Mendes (PPS-RO). Recebeu R$ 50 mil da CBC e R$ 10 mil da Forja Taurus. Uma das emendas propostas pelo parlamentar amplia para dez anos o período que o cidadão tem para apresentar a documentação necessária para a renovação do registro da sua arma.

• Vílson Covatti (PP-RS). Recebeu R$ 25 mil da Forjas Taurus. Uma das propostas do deputado dispensa a comprovação de aptidão técnica e psicológica para quem deseja renovar a licença de arma de cano logo.

• Onyx Lonrezoni (PFL-RS). Recebeu R$ 90 mil da CBC e R$ 70 mil da Forjas Taurus. Entre as suas propostas, está uma que isenta os proprietários de armas de fogo de cano longo de taxa para renovação da licença. Fonte: site do Tribunal Superior Eleitoral e da Câmara dos Deputados.

Curitiba – O Estatuto do Desarmamento passará por uma nova prova na próxima semana. Está prevista para terça-feira a votação no plenário da Câmara da Medida Provisória 394 que traz novas disposições para determinações da lei do desarmamento aprovada em 2003. Caso o texto do relator da MP – o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) – seja aprovado, a legislação sobre armas no país ficará mais flexível.

Entre outras medidas, o texto proposto por Pompeo permite aos cidadãos que respondem a inquérito policial ou processo criminal possuir armas de fogo e aumenta o prazo para a apresentação de exames de capacidade técnica e aptidão psicológica para a renovação do registro da arma de três para cinco anos. "Eu não estou dando porte de armas para as pessoas, quero facilitar o registro e o controle do Estado", justifica o deputado, que fez campanha favorável ao comércio de armas no plebiscito de 2005 e recebeu R$ 120 mil de empresas de armas e munições para financiar sua campanha no ano passado.

O parecer apresentado pelo deputado propõe modificações em 14 dos 34 artigos do Estatuto do Desarmamento. Tantas mudanças não estavam nos planos do governo. O texto enviado pela presidência previa apenas a redução no valor das taxas para a regulamentação de armas e a prorrogação para a renovação do registro das armas que se encontram irregulares atualmente até 2 de julho de 2008.

"Vamos lutar para que o texto original seja aprovado. Somos contrários à qualquer medida que flexibilize o que a duras penas conseguimos", afirma a deputada Iriny Lopes (PT-ES), que coordena a frente no Congresso que é contra as mudanças no Estatuto. Iriny se baseia em dados dos ministérios da Saúde e da Justiça para comprovar a eficiência do Estatuto na diminuição da violência. "Nos municípios que foram campeões na entrega de armas de fogo, houve uma redução significativa no número de homicídios", diz a parlamentar.

Dados desses ministérios indicam que entre 2003 – ano de aprovação do Estatuto – e 2006, houve uma redução de 12% no número de mortes causadas por armas de fogo no país. "Dizem que depois do Estatuto diminui o número de mortes. Pode até ter acontecido isso, mas não podemos afirmar que a redução nos homicídios seja fruto do Estatuto, porque ele não conseguiu diminuir significativamente o número de pessoas armadas no Brasil", rebate Pompeo.

Segundo informações do Sistema Nacional de Armas (SINARMs), existem 3,8 milhões de armas de fogo registradas no Brasil. O número é muito superior à quantidade que foi recolhida na campanha do desarmamento, 450 mil – cerca de 11,8% do universo atual. "No referendo de 2005, os brasileiros mostraram que não querem se desarmar, então, por que eles entregariam suas armas?", indaga Pompeo (PDT-RS).

Traço cultural

A dúvida que fica da pergunta do deputado é: por que os brasileiros querem continuar armados? Para o professor de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Lindomar Boneti, a resposta para esta pergunta passa por dois pontos: um traço cultural arcaico e a complexidade dos centros urbanos, que ampliam a sensação de insegurança.

"Nas sociedades tradicionais se criou essa cultura do porte da arma no sentido de proteção em virtude da inexistência de outras organizações protetoras. Associou-se, então, a imagem do homem forte, macho, à arma. Essa cultura ainda está muito presente em ambientes tradicionais e menos desenvolvidos socioculturalmente. Nas sociedades urbanas e modernas, a arma continua presente porque o estado não consegue promover ações que transmitam a sensação de segurança aos cidadãos e eles então procuram soluções indivuiduais", explica o sociólogo.

O coordenador do Centro de Estudos de Violência e Direitos-humanos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, considera que os brasileiros ainda relacionam as armas a um discurso passional. "As pessoas ignoram décadas de pesquisas que indicam como as armas estão relacionadas a diversas tragédias e permanecem armadas na ilusão de que conseguirão se defender no caso de serem vítimas de uma agressão. Mas isso é uma ilusão. O número de pessoas que consegue se salvar de uma agressão é muito pequeno. Cerca de 80% das pessoas que têm uma arma e reagem se ferem gravemente, quando não morrem", comenta Bodê.

Segundo o professor, a letalidade das discussões quando um dos envolvidos possui uma arma de fogo é muito maior do que quando não há armas na situação. "A arma é um ingrediente que facilita a violência e causa finais trágicos à situações que poderiam ser resolvidas em uma conversa", afirma Luiz Antônio Brener Guimarães, integrante do núcleo Vida, Segurança e Direitos Humanos da organização não-governamental (ONG) Guayí, que faz parte da rede Desarma Brasil.

Exemplos para a situação descrita por Guimarães não faltam. No início da semana passada, um fim de namoro virou tragédia no litoral paulista. Há poucos meses, uma discussão entre o síndico de um prédio de classe média de Curitiba e um dos condôminos resultou em uma morte e uma tentativa de homicídio. Para Boneti, os brasileiros se matam por motivos banais por uma questão educativa. "Quanto maior a capacidade de argumentar, menor a necessidade do uso de armas. Quando estamos em uma sociedade com um nível educacional menor e uma cultura armamentista forte, como o Brasil, temos as situação de mortes por motivos banais."

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