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Operação Vortex

Máfia dos desmanches operava na capital havia 7 anos

Donos de autopeças pagavam propina a policiais civis desde 2005. Índice de roubo de carros disparou no período

Gustavo mostra o que sobrou do seu carro: desmanche teria sido obra da própria polícia | Walter Alves/Gazeta do Povo
Gustavo mostra o que sobrou do seu carro: desmanche teria sido obra da própria polícia (Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo)

Denunciada há dez dias, a rede de corrupção articulada por delegados e investiga­do­res para cobrar propina de donos de lojas de peças auto­mo­tivas usadas não é algo no­vo. O Grupo de Atuação Espe­cial de Combate ao Crime Or­ganizado (Gaeco) reuniu indícios de que a máfia dos desmanches estava arraigada na estrutura da Polícia Civil e que funcionava havia pelo menos sete anos em Curitiba e Região Metropolitana. A atuação da quadrilha, segundo os promotores, tem relação direta com o índice de carros roubados, que disparou nos últimos anos.

INFOGRÁFICO: Veja como funcionava o esquema desmascarado pelo Gaeco

Ao longo da Operação Vor­tex, lojistas do setor de autopeças detalharam ao Gaeco que, desde 2005, pagavam propina mensalmente à Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV). Em troca, a polícia fazia "vistas grossas" nas fiscalizações, abrindo precedentes para a venda de peças de carros roubados ou furtados.

"É uma prática que estava arraigada. O valor da ‘mensalidade’ variava de acordo com o delegado divisional (Divisão de Crimes Contra o Patrimônio, departamento ao qual a DFRV está subordinada) e com a dinâmica da loja", diz o promotor André Pasternak Glitz. Um caderno de contabilidade apreendido na casa de um investigador indica que o valor da propina variava entre R$ 250 e R$ 1 mil. Estima-se que cerca de R$ 30 mil eram arrecadas por mês pelos policiais.

Em depoimento, um dos comerciantes revelou que entrou para o esquema em 2006, quando se mudou para Curitiba e comprou uma autopeças. O pagamento já estava na previsão de gastos do negócio. "A pessoa que vendeu a loja já o avisou. ‘O esquema é o seguinte: tem a mensalidade da delegacia e você tem que pagar para não ser incomodado. Você tem que pagar’. E ele pagava", conta Glitz.

De acordo com o Gaeco, as lojas que integravam o esquema formavam uma espécie de rede. Os ladrões eram contratados individualmente pelos estabelecimentos para roubar carros sob encomenda. Os automóveis eram desmanchados em locais escondidos e as peças, distribuídas entre as autopeças e vendidas aos clientes em meio a lotes legalizados.

As estatísticas indicam a re­lação entre a máfia dos des­manches e o aumento no nú­mero de carros levados por bandidos. Em 2007 – quando a Secretaria de Estado da Segurança Pública começou a divulgar os índices – a média era de 16,3 veículos furtados e roubados em Curitiba por dia. No ano passado, foram 25,5 por dia.

Com a substituição dos delegados acusados de integrar o esquema, o índice começou a recuar pela primeira vez. No primeiro trimestre deste ano, a média de veículos levados por bandidos ficou em 23,4 por dia. Dados repassados pela DFRV apontam que o índice vai fechar o semestre neste patamar.

Outro lado

Em nota, o Departamento da Polícia Civil disse que não comenta "abstrações" sobre supostos casos de corrupção na DFRV e ressalta que nenhum policial foi denunciado no "pseudoesquema", no período entre 2005 e 2010.

"Polícia depenou o meu carro", acusa vítima

Era noite de sábado, fevereiro de 2009, quando Gustavo (nome fictício) estacionou seu carro – um Golf – em frente ao prédio onde mora um amigo, no bairro Ahú, em Curitiba. Nem chegou a desligar o veículo. Dois homens armados deram voz de assalto, obrigando-o a seguir com eles. Poucas quadras adiante, no entanto, os ladrões se decepcionaram ao saber que o veículo era modelo 1.6, pois "procuravam" um 2.0.

"Eram profissionais. Quan­do souberam que não era o tipo que eles queriam, me disseram para ficar tranquilo, que abandonariam o carro em seguida, depois da fuga", contou Gustavo, que foi libertado pelos bandidos sem sofrer um arranhão.

Duas semanas depois, uma ligação da Delegacia do Alto Maracanã, em Colombo (Grande Curitiba), informou que tinham achado o carro. Mas, ao chegar lá, Gustavo teve uma decepção: havia apenas a carcaça do Golf. "Levei um susto. O carro estava desmanchado. Fiquei encucado", disse.

"Surpresas"

As suspeitas aumentaram quando, pouco depois, um amigo que mora próximo à delegacia assegurou que o Golf de Gustavo, ainda intacto, permaneceu estacionado em frente à delegacia por vários dias seguidos. "A própria polícia desmanchou meu carro", concluiu. Quando o guincho levava a carcaça do automóvel à sua casa, outra revelação. "O motorista disse que é comum levar carros para cortar em desmanches. Sempre tem policial no meio. Mas, como não podia provar, não levei a história adiante", resignou-se.

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