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Advogados contestam alegação de Moraes

Em nova violação ao direito de defesa, Moraes usou precedente de 1956 para destituir advogados

Moraes destitui advogados
Em decisão atípica, Moraes destituiu seis advogados em processo por suposta trama golpista (Foto: Gustavo Moreno/STF)

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Em decisão atípica e incompatível com o direito à defesa e ao devido processo legal, o ministro Alexandre de Moraes destituiu, nesta quinta-feira (9), todos os advogados responsáveis pela defesa de dois réus da suposta trama golpista durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Além disso, em vez de permitir aos réus a escolha de novos advogados, o ministro simplesmente decidiu nomear a Defensoria Pública da União (DPU) para assumir as defesas. Ao todo, foram destituídos seis advogados: dois de Filipe Martins e quatro de Marcelo Câmara – ambos os réus são ex-assessores de Bolsonaro.

O motivo mencionado pelo ministro foi “abuso do direito de defesa, com clara manobra procrastinatória”. A justificativa de Moraes foi de que as defesas teriam perdido o prazo para apresentar as alegações finais como manobra para atrasar o processo.

Após forte repercussão do caso, o ministro decidiu voltar atrás e, na tarde desta sexta-feira (10), deu 24 horas para que a defesa apresentasse as alegações finais no processo. Os advogados, portanto, permanecem constituídos.

“Clara violação do Código de Processo Penal”, explica jurista

Para justificar a decisão de destituir os advogados, Moraes recorreu a um precedente de 1956 – ou seja, de 70 anos atrás, quando a Constituição Federal era outra e a Defensoria Pública sequer existia. Outro precedente usado pelo magistrado é de uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que igualmente se baseia na mesma jurisprudência da década de 50.

O entendimento do ministro foi frontalmente contra o que prevê o Código de Processo Penal (CPP) quanto às possibilidades de destituição de advogados. O CPP não autoriza expressamente o juiz a destituir advogados constituídos. O que prevê são situações específicas em que juízes podem nomear outro defensor – mas apenas quando houver abandono, omissão ou impossibilidade de defesa. Nenhuma das hipóteses ocorreu no caso em questão.

O Código de Processo Penal também determina que, mesmo nesses casos específicos, a destituição deve respeitar o direito do réu de escolher novo advogado. Ou seja, não há previsão legal para que um réu fique sem direito à escolha de advogado.  

“Em um eventual caso de destituição, o réu tem que ser intimado para dizer se deseja designar um novo defensor, porque a relação cliente-advogado é uma relação de enorme confiança. Nenhum juiz do mundo pode destituir um advogado e entregar o réu, ainda mais réu preso, a um defensor público”, explica Katia Magalhães, advogada especialista em responsabilidade civil.

“A decisão configura um tremendo desrespeito aos direitos humanos e às prerrogativas dos advogados”, prossegue.

Advogado diz que presidente da OAB atuou nos bastidores para convencer Moraes a recuar

Em nota divulgada na manhã desta sexta-feira, o Conselho Federal da OAB afirmou que tomou conhecimento da decisão e a analisaria. “Caso sejam identificadas violações às garantias da defesa ou às prerrogativas dos profissionais envolvidos, a Ordem atuará para assegurar sua dignidade profissional, nos limites da legalidade e com o respeito institucional que a matéria exige”, disse a nota.

No entanto, segundo Jeffrey Chiquini, advogado de Filipe Martins que ficou destituído por algumas horas, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, teria atuado nos bastidores junto a Alexandre de Moraes pedindo a reconsideração da decisão.

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“Moraes não tem direito de escolher quem vai defender o acusado”, diz advogado

Chiquini pronunciou-se na noite desta quinta-feira, classificando a decisão de Moraes, para destitui-lo da defesa, como arbitrária. “Em democracias isso não acontece. Quem decide quem será seu advogado é o acusado”, questionou.

Chiquini argumentou que não houve perda de prazo de alegações finais. Segundo ele, a Procuradoria-Geral da República (PGR) teria trazido novos elementos aos autos após a fase de instrução – o que não é permitido, já que prejudica o direito à defesa. Em vista disso, a defesa de Martins teria apresentado uma petição com pedido de ampliação do prazo das alegações finais, ou o desentranhamento desses elementos – em outras palavras, que os novos elementos trazidos pela PGR fossem rejeitados.

“Poderia muito bem o ministro decidir da seguinte forma: ‘não concedo mais prazo à defesa’. Pelo contrário: ele decidiu que a defesa perdeu o prazo, o que não é verdade, e tirou os advogados, intimando a Defensoria Pública. Isso é aberrante”, afirmou.

O jurista reforçou que, em caso excepcional, Moraes poderia ter intimado os réus para que indicassem nova defesa, mas nunca destituído advogados e direcionado por contra própria a defesa à DPU.

O advogado Eduardo Kuntz, que representa Marcelo Câmara, enviou nota à reportagem em reforçando que houve manifestação fora do prazo pela PGR.

Filipe Martins escreveu a Moraes carta à mão rejeitando a retirada dos advogados

Filipe Martins, que está em prisão domiciliar, enviou a Moraes uma carta escrita à mão horas após a publicação do primeiro despacho do ministro, enquanto permaneceu sem advogado constituído. Na carta, o ex-assessor de Bolsonaro pediu a reconsideração da decisão e manifestou “recusa expressa” à atuação da Defensoria Pública da União em seu nome.

“Declaro que não autorizei, não solicitei e não consinto que a DPU ou qualquer defensor dativo me represente ou pratique qualquer ato de defesa neste processo, pois mantenho integral confiança nos advogados Ricardo Scheiffer Fernandes e Jeffrey Chiquini da Costa, que constituí legal e regularmente nos autos, e desejo que apenas eles me representem”, diz Martins.

Ele apontou, ainda, que a destituição dos seus advogados “viola frontalmente meus direitos inalienáveis, em especial o direito de escolher livremente o defensor de minha confiança, garantia elementar em um regime democrático”, prossegue.

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