
Há uma máxima curitibana: a frota de automóveis se multiplica como bananas na Serra do Mar. Com 1 milhão de veículos, seus efeitos são mais sensíveis do que as baixas temperaturas que assaltam a população de abril a novembro, em média. Os números estão aí para comprovar o espetáculo do crescimento.
Dados do Detran-PR mostram que em 2009 foram licenciados na capital 81.473 carros, ou seja, pouco mais de 223 automóveis por dia receberam o primeiro emplacamento. Apenas nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, em média 175 deixaram as concessionárias e ganharam seu passaporte para circular nas ruas. Não é o único problema.
O setor de motos numericamente ainda mais tímido se desenvolve como uma espécie de efeito colateral: desestabiliza o trânsito ao impor uma espécie de "terceira via" nas ruas e forma uma geração de mutilados por acidentes, como publicou a Gazeta do Povo na edição de ontem. Os números são os de uma guerra: apenas no Paraná, 1,5 mil condutores a cada ano passam a carregar alguma forma de sequela, do dedo torto à tetraplegia. (leia "Chave do Problema" nesta página).
Por partes
Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores Seccional Paraná (Fenabrave-PR), o segmento de motocicletas aumentou mais de 35% no estado: de 5.871 unidades vendidas no primeiro mês, passou para 7.965 no terceiro.
A frota de motos de Curitiba até fevereiro de 2010 era de 106.019 aproximadamente uma para cada 17 habitantes. Ainda é uma estatística baixa, se comparada ao índice de carros, mas agravada porque o veículo de duas rodas se tornou uma necessidade para o transporte de documentos e mercadorias urgentes o chamado motofrete.
Empresários disponibilizam esse meio de condução como alternativa para aqueles que não podem ou não querem se locomover em busca do que precisam. Encontram mão de obra farta, jovem, barata, quase nunca contratada nos conformes da lei. Seria perfeito não fosse o passivo que geram: riscos galopantes de invalidez, formando um exército de jovens de baixa instrução, dependentes da família, isolados numa sociedade que não resolveu o problema do mosquito da dengue, que dirá da mobilidade dos portadores de deficiência. Sem falar nos gastos: a estimativa é de que cada motociclista acidentado custe em média US$ 15 mil ao sistema público de saúde. É o caos.
Segundo o diretor do Departamento de Medicina Ocu-pacional da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), Dirceu Rodrigues Alves Júnior, o número de motos hoje no Brasil é muito alto, cerca de 12 milhões. Outros dados apontam 18 milhões. Mas não é o que mais preocupa.
Para Alves Júnior, no caso dos motoboys ou motofretistas, como agora são chamados, por força da lei que regulariza a profissão, sancionada há um ano o maior perigo está ligado à má preparação para enfrentar uma rotina estressante. "O motoboy vive uma pressão constante, tanto de seu patrão quanto do receptor da encomenda. Os dois querem que ele seja rápido. Isso é um agente irritante, que leva ao estresse, ao desgaste."
Esse estresse expõe mais facilmente o motociclista a cinco diferentes categorias de risco no trânsito: físico de possíveis problemas auditivos por causa do barulho , químico pela exposição à poluição diária, que entram em contato com suas mucosas , ergonômico pela postura que fica na moto por longos períodos e pelos movimentos repetitivos, como frear , biológico exposição a micro-organismos e de acidentes.
Ralados e fraturados
Os acidentes podem resultar em diversas lesões, desde as mais leves, como ralar partes do corpo no asfalto após uma queda, até graves fraturas expostas ou traumatismos cranianos. Segundo Alves Júnior, até mesmo as lesões mais leves podem acarretar problemas sérios. "Raspar uma parte do corpo no asfalto faz com que a carne entre em contato com as bactérias presentes naquele ambiente. O ferido pode ser socorrido, ter a ferida higienizada, mas pode desenvolver uma futura infecção, que, em última instância, tende até mesmo a levar a óbito."
Três hospitais que atendem traumas na cidade de Curitiba Cajuru, Evangélico e do Trabalhador atenderam juntos mais de 3 mil acidentes de moto nos quatro primeiros meses deste ano, entre atropelamentos, colisões com outros veículos e com motos e quedas. Estudos da Secretaria Municipal de Saúde apontam que, em alguns casos, cerca de 40% dos atendimentos nos prontos-socorros são acidentes com moto. O caso é tão grave que o Hospital do Trabalhador, referência em traumas e modelo na gestão de dados, passou a discriminar nas fichas de atendimento os motoqueiros dos motoboys. Em três meses foram 66 profissionais do ramo, com 11 internamentos e algum tipo de sequela na certa. Projetado em anos esse número é uma catástrofe urbana.
Alves Júnior diz que a maioria dos acidentados sofre lesões nos membros inferiores que, na maioria das vezes, funcionam como parachoques do motociclista e superiores. O motociclista deveria sempre usar macacão, botas de couro acolchoado e luvas. Mas o que se vê é que até o capacete, principal defesa, é inadequado.
"Muita gente acha que o capacete dura a vida inteira. Mas não é verdade. Em média, o material dura três anos se não sofrer danos. Depois disso, entra em decomposição e já não desempenha totalmente a função de distribuir impactos", alerta.




