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Ibama tem realizado pelo menos uma grande operação fiscalizatória por ano no Paraná, desde o desmatamento ilegal da mata nativa ao funcionamento irregular de carvoarias | Henry Milleo/ Gazeta do Povo
Ibama tem realizado pelo menos uma grande operação fiscalizatória por ano no Paraná, desde o desmatamento ilegal da mata nativa ao funcionamento irregular de carvoarias| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

Alçada

Veja algumas atribuições do Ibama, que ficaram mais bem definidas depois da nova lei:

• Analisar pedidos de licença de empreendimentos de grande porte, como mega-hidrelétricas;

• Avaliar a exploração do mar, das faixas litorâneas, das fronteiras e divisas, em terras indígenas, em unidades federais de conservação e em terras públicas;

• Fiscalizar a operação e circulação e portos e aeroportos, especialmente saída de espécies nativas e entrada de espécies exóticas ou contaminantes;

• Apreciar pedidos de uso de energia nuclear;

• Exercer o controle ambiental sobre o transporte interestadual, fluvial ou terrestre, de produtos perigosos.

Sem atribuição

"Pega ladrão", diz procurador

O procurador federal Sergio de Oliveira Netto divulgou no site jurídico Jus Navegandi o texto intitulado "Pega ladrão! Roubaram as atribuições do IBAMA". Ele descreve que ao Ibama restou apenas o "direito" de comunicar ao órgão ambiental responsável que alguma afronta à legislação ambiental está sendo praticada e lembra que as autorizações para realizar a supressão de vegetação são todas concedidas por entidades estaduais ou municipais. "Só residualmente é que o Ibama fará licenciamentos e fiscalizações."

Com base em casos anteriores, em que o Superior Tribunal de Jus­tiça estabeleceu, em decisões, que há diferença entre a atribuição de licenciar e a de fiscalizar, o procura­­dor acredita que, por mais que o Iba­­ma não tenha, em princípio, competência ampla para emitir licenças ambientais, possui plenos poderes para realizar a fiscalização sobre es­­tes próprios empreendimentos licenciados pelos demais órgãos. Oliveira também avalia que os tribunais não acatarão a lei complementar 140, por considerá-la ilegal ou inconstitucional.

Em entrevista à Gazeta do Povo, ele acrescenta que o texto atual proposto para o Código Florestal também fragiliza o Ibama, dando mais poder aos estados e municípios. "O órgão que licencia passa a ter a palavra final", destaca. Mas ele teme os reflexos desse aumento de poder. "Não raro, muitos desses órgãos têm interesses locais. Para algumas prefeituras, por exemplo, a intenção é deixar construir onde quer que seja." Oliveira enfatiza que existem entidades sérias, mas salienta que muitos dos órgãos locais acabam sendo politizados, e atuando coniventemente com os degradadores do ambiente.

Mudança

Leia trechos da Lei Complementar 140:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

§ 2º Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Projeto teve o teor alterado, reclama autor

Autor do projeto de lei, o deputado José Sarney Filho (PV-MA) não concorda com o texto final, alegando que não pretendia interferir no poder de fiscalização. "O projeto de minha autoria que estabelecia competências no licenciamento ambiental virou ‘barriga de aluguel’ para emendas dos ruralistas", comentou no Twitter. Ele ainda afirmou que a proposta descaracterizada em votação, en­­quanto estava fora do Brasil, em uma conferência de mudanças climáticas. Na discussão do projeto, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) argumentou que era o momento de tirar do Ibama as "prerrogativas ditatoriais" e que o Instituto tenta parar o Brasil.

Uma mudança derradeira no texto da lei, no Senado, evitou que o Ibama se tornasse praticamente impotente na fiscalização de agressões ambientais. Ao invés de indicar que a autuação seria nula, determinou que a preferência de multar é de quem licencia. O Ibama e o Ministério do Meio Ambiente decidiram não se pronunciar sobre a lei complementar 140. Havia a expectativa de que os artigos que enfraquecem o Ibama fossem vetados pela presidente Dilma Rousseff. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, tentou intervir, mas não foi suficientemente persuasiva.

Sem o alarde que marcou a votação do novo Código Flo­­restal, o Brasil termina 2011 com uma mudança de grande impacto na legislação ambiental. Aprovada no Congresso e publicada neste mês no Diário Oficial da União, já está em vigor a Lei Complementar 140, determinando que só o órgão ambiental responsável pelo licenciamento tem o direito de fiscalizar. Na prática, a lei enfraquece o Ibama e dá plenos poderes a órgãos estaduais e municipais em assuntos como, por exemplo, a fiscalização de hidrelétricas e desmatamentos. Ambientalistas temem que os órgãos locais não suportem as pressões políticas e econômicas para autorizar empreendimentos polêmicos.

Assim, por exemplo, os casos de desmatamento no estado passariam a ser coibidos apenas pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e não mais poderiam ser alvos de ações do Insti­tuto Brasileiro do Meio Am­­­bien­­te e Recursos Naturais Reno­váveis (Ibama). A lei também amplia os poderes de estados e municípios na autorização de obras e atividades comerciais potencialmente poluentes.

No Paraná, além de ações pontuais, o Ibama faz ao menos uma grande operação por ano de combate ao desmatamento. A de 2011 aconteceu em dezembro e localizou, em sobrevoo de helicóptero, 67 pontos de derrubada de floresta de araucária. Durante duas semanas, os fiscais visitaram as propriedades, confirmaram a derrubada de 713 hectares de vegetação nativa e lavraram R$ 6,8 milhões em multas.

Diretor de licenciamento e fiscalização do IAP, Paulo Barros conta que dentre as prefeituras do Paraná, somente a de Cu­­ritiba tem autorização para verificar o cumprimento de exigências ambientais. Barros explica que outros órgãos municipais precisam se adequar a uma série de exigências se quiserem avaliar empreendimentos e conceder licenças de operação. "É preciso comprovar competência técnica e que possui um software adequado e seguro", exemplifica.

O diretor também aposta que vários questionamentos sobre a mudança na legislação vão surgir. "Uma empresa grande que não sinta segurança no sistema municipal vai pedir licenciamento na esfera estadual", acredita. Ele reconhece que o Ibama perde força com a Lei Comple­­mentar 140. Por exemplo, a refinaria da Petrobras em Araucária é licenciada pelo IAP e, em tese, não poderá mais ter as atividades fiscalizadas pelo órgão federal. No Paraná, o Ibama mantém 75 servidores, apenas 12 deles atuam efetivamente como fiscais. Já as forças estaduais contam com 130 fiscais no IAP e 700 militares na Polícia Ambiental.

Na condição de presidente do conselho de administração da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica e vice-coordenador do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, Luiz Fernando Leone Vianna avalia que a lei complementar tem a capacidade de "agilizar e descomplicar o processo de licenciamento ambiental, com ganhos para a sociedade como um todo, criando um balcão único de licenciamento". Ele também acredita que a nova legislação confere mais segurança jurídica aos processos de licenciamento.

Vai chover ações judiciais, acredita ONG

A Fundação SOS Mata Atlântica pretende questionar na Justiça o teor da Lei Com­­plementar 140. O argumento é de que outras leis – como a n.° 9.605/98, que assegura a todos os órgãos ambientais a incumbência de zelar pelo meio ambiente, fazendo uso do poder de polícia administrativa – já garantem ao Ibama o direito de fiscalizar. Além disso, o coordenador de políticas públicas da ONG, Mário Manto­­vani, acredita que a nova legislação vai provocar uma enxurrada de ações judiciais.

"O Ministério Público deve cobrar a ação do Ibama e defender que as decisões locais não podem ser menos restritivas do que as determinações federais", aponta. Para Mantovani, a lei complementar 140 vem no contexto de uma lógica de desmonte de todas as conquistas do setor ambiental. "É uma aberração", define. Ele destaca que deixar a fiscalização a cargo de um órgão federal é fundamental para tirar a pressão sobre os órgãos locais.

Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, também acredita que a legislação ambiental está sendo vitimada por um rolo compressor que não se limita à proposta de mudança no Có­­digo Florestal. "Essa suposta maturidade do sistema nada mais é do que a flexibilização do processo de licenciamento, com perspectivas de um futuro desastroso", diz. Ele avalia que a fiscalização atual não é suficiente e que a tendência é de o controle ambiental piorar ainda mais. A Associação Nacional dos Procuradores da República emitiu uma nota defendendo que "delegar para a esfera estadual o poder de multar [...] é relegar a questão ambiental aos desmandos regionais que ainda assombram a democracia no país".

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