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Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" | Reprodução www.globo.com/paraisotropical
Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical"| Foto: Reprodução www.globo.com/paraisotropical

Homossexual tem direito à pensão

Cláudio, 30 anos, nome fictício, ficou viúvo após viver uma relação homoafetiva de sete anos. A relação – que ainda é vista com preconceito pela sociedade, por isso o anonimato neste texto – rendeu a ele uma pensão por morte no valor de R$ 1.013,63. O parceiro de Cláudio morreu de aids há cerca de dois anos.

Segundo a advogada de Cláudio, Ana Carla Harmatiuk Matos, que também é professora do mestrado de Direito da UniBrasil e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o caso foi para a Justiça porque o INSS não considerou as provas suficientes. "Eles queriam provas cabais da união estável. Mas nas uniões homoafetivas nem sempre é possível conseguir todos os documentos", explica a advogada. A pensão começou a ser paga no mês passado, três anos depois do início da ação.

O casal se conheceu no estado do Acre, região Norte. Eles vieram a Curitiba para estudar há cerca de dez anos. "As famílias não sabiam da nossa relação antes da morte. Só que vivíamos na mesma casa", conta o viúvo.

Jurista lança livro sobre a nova família

Em um misto de ficção e realidade, o jurista Luiz Edson Fachin, referência nacional no campo do Direito de Família, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), lançou no fim do mês passado o livro As intermitências da Vida. Com veia literária, ele escreve sobre família, filhos, laços biológicos e afetivos, amarrando ao texto artigos do novo Código Civil.

"A idéia é apresentar um mosaico das situações de família ocorridas a partir da Constituição, nos últimos 15 anos", explica o jurista. "E mostrar ainda alguns paradoxos, porque enquanto a gente ainda está discutindo quem é pai, por outro lado o avanço da engenharia genética acabou com alguns dogmas."

Voltando à realidade, Fachin lembra do caso recente da avó do Recife, que gestou o neto para a filha no próprio ventre. "Isso mostra que a mulher grávida não tem mais na gravidez a prova exclusiva da maternidade", ressalta o jurista.

Serviço: O livro As intermitências da vida (o nascimento dos não-filhos à luz do Código Civil Brasileiro) já chegou às livrarias. A obra é publicada pela Editora Forense.

A sociedade colocou o casamento em segundo plano. O filho deixou de ser uma simples produção biológica e outros arranjos familiares, como a união estável, a união homoafetiva (entre pessoas do mesmo sexo) e a família monoparental (a figura do casal não é a referência), entre outras, ganham cada vez mais o respeito das pessoas. Este é o retrato da nova família brasileira, que tirou o casamento do eixo central e no lugar colocou a pluralidade de entidades. A transformação social virou uma gangorra em que o número de casamentos caiu 25% e o de divórcios aumentou 278%, dados de 1988 e 2002, conforme registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O desenho concebido a partir da Constituição de 88 reconhece outras entidades familiares, como laços afetivos entre pessoas do mesmo sexo. A evolução não só supera o preconceito, mas traz consigo avanços legais, como direitos iguais a filhos biológicos e socioafetivos (adotivos), igualdade de sexos e outros mais, na esteira do movimento feminista, do novo papel da mulher na sociedade e da legalização do divórcio.

Como exemplo dos avanços e das conquistas sociais, há cerca de 20 anos a mulher que convivia maritalmente sem casar era tratada de forma pejorativa como amásia, concubina. E o filho fora do casamento era visto como o bastardo. Além disso, não havia sinais aparentes da existência de casais homossexuais, enquanto hoje o próprio INSS tem concedido pagamento de pensão por morte para parceiros de uniões homoafetivas e a Justiça já recebe pedidos de adoção feitos por casais formados do mesmo sexo.

E quem imaginaria. A nova família concebida a partir do afeto, e não somente das convenções sociais e heranças genéticas, permite que filhos tenham dois pais, duas mães e irmãos de outros relacionamentos. Por outro lado, alguns estão processando pais e pedindo indenizações por danos morais pela falta de atenção e carinho. E a prova biológica (o exame de DNA) já não é mais fundamental nas discussões de paternidade.

Segundo a pesquisadora Miriam Pillar Grossi, do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a novidade é a visibilidade deste tipo de modelo familiar, o reconhecimento de entidades, como as uniões homoafetivas, ou as pessoas aceitarem que um casal homossexual pode adotar filhos, formar uma família. "Foram as mudanças nas relações familiares que influenciaram a legislação, pois isso já ocorria na prática", afirma Miriam.

Já a psicóloga Luciana Albanese Valore, professora de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entende que o reconhecimento de outras entidades familiares é um exercício de abertura. "O mais importante são os laços afetivos: a qualidade de amor. Quando a criança convive em um ambiente aberto e até em um tipo de união diferente, ela está sendo educada neste mundo que está vindo aí. Com isso, a gente aumenta a tolerência, o respeito, a compreensão das diferenças, e prepara as pessoas para as mudanças", explica a psicóloga.

Já a máxima de que a família tem de ter pai e mãe, casados para sempre, é uma invenção da sociedade, lembra Luciana. "Isso tem a ver com o tempo. Porque em outros tempos, em outras sociedades, existiam outras formas de união. Hoje, ainda existe a poligamia. E quem pode dizer o que é melhor e o que é pior. O reflexo de tudo isto pode ser de um crescimento, de uma abertura mental mesmo", complementa a psicóloga. Para ela, "o que importa não é o aspecto legal, mas ter uma relação saudável, de respeito, afeto, diálogo. E isto não está garantido em um casal dito normal".

Casal tem 21 filhos, 18 adotados

Uma família de 21 filhos. Assim é a rotina na casa de 750 metros quadrados do major da reserva do Corpo de Bombeiros Ozair Ribeiro Filho, e a esposa, a pedagoga Rosicler, em Colombo, junto a uma escola da qual os pais são donos, no Jardim Guaraituba.

O sonho de ter uma família grande sempre os acompanhou. Casados há 25 anos, tiveram três filhos biológicos, a mais velha é casada. Com o tempo, passaram a fazer adoções, de recém-nascidos a adolescentes e inclusive alguns irmãos biológicos. Por exemplo, os gêmeos Bruno e Bryan (10 anos), os caçulas, e Daniel (12 anos) são irmãos biológicos. Já o filho socioafetivo mais velho tem 19 anos.

As adoções dos Ribeiro começaram com um salvamento, que resultou na vinda de William, 14 anos, o primeiro a entrar para a família dessa forma Ozair. "Depois vieram as outras crianças, todas com dificuldades. O nosso objetivo nunca foi adotar criancinha recém-nascida, bonitinha e saudável", afirma. A meta sempre foi adotar crianças ou adolescentes em situação de risco, de todas as raças (brancos, negros e índios) e de todas as idades. "Hoje, eles são filhos legítimos, com o nosso sobrenome, com amor, a documentação certinha. Todos mudaram de nome para ter uma nova identidade, uma nova vida. Acho que o passado ficou, deixando os traumas para trás", acrescenta o major.

Chamada

No entanto, com tantos filhos, o militar usa algumas lições do quartel e bíblicas (ele é mórmon) para organizar o cotidiano doméstico. Cada filho recebeu um número quando chegou ao novo lar, além do sobrenome, é claro.

Segundo Ribeiro, o número facilita a contagem dos filhos. "Na volta de um passeio pode faltar um, dois, até três, e nem sempre é fácil constatar isto só pela visão. Então, uso como no quartel, numa caminhada na selva, e começo a fazer chamada: zero um, zero dois, vinte e um", justifica o major. Na vida militar, a tática serve para não deixar um companheiro para trás.

Assim, na casa dos Ribeiro tudo tem número. Os objetos pessoais (camisetas tem o número atrás da gola), roupa de cama. "O número serve para muitas coisas", diz o militar.

Gratidão

Os filhos são gratos pelo novo lar concebido pelo casal Ribeiro. "Eu tive muita sorte. Estou muito bem aqui. Todos me amam. A maior prova foi o meu pai ter me socorrido, ser acolhido neste lar, com todo amor e carinho. Já pensei em retribuir isto. Pretendo prestar vestibular para Medicina para poder ajudar as pessoas", afirma William.

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