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Número de presos por tráfico de drogas no PR aumentou 140% nos últimos cinco anos |
Número de presos por tráfico de drogas no PR aumentou 140% nos últimos cinco anos| Foto:

O que diz a lei

A Lei Antidrogas (nº 11.343), aprovada em 2006, trouxe uma série de mudanças em relação à lei anterior, datada de 1976. Alguns pontos, em especial, são foco de discussão entre especialistas e juristas

Usuário e traficante

A nova lei optou por não punir o usuário de drogas com pena de privação de liberdade. Ao invés disso, as penas para quem consome variam de prestação de serviços comunitários até a participação em programas educativos. No entanto, a lei não é clara em um ponto crucial: a definição de quem é usuário e quem é traficante.

Prisão provisória

A lei veda a possibilidade de liberdade provisória e substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para os casos de tráfico. Para alguns especialistas, a medida impede o direito de defesa dos detidos e incentiva o uso generalizado da prisão provisória, cujo caráter deve ser excepcional.

Tipos penais

A Lei Antidrogas estabeleceu a diferenciação entre tipos penais que estariam envolvidos na cadeia do tráfico, mas não foi clara quanto ao pequeno, médio e grande traficante. Assim, apesar de haver penas diferentes, a maioria dos detidos acaba classificada apenas como traficante.

Antecedentes

Segundo a lei, se o detido for réu primário e não integrar organização criminosa, pode ter a pena reduzida de um sexto a dois terços. Nesse caso, as opiniões se dividem. Há quem defenda que a redução é positiva por tratar de forma diferenciada quem ainda não está totalmente envolvido com a criminalidade. Mas também há quem opine que a redução neutraliza o aumento do rigor que a nova lei buscou trazer – apesar da pena mínima ter aumentado, ela não é aplicada integralmente.

PELO MUNDO

Apesar de não haver no exterior consenso sobre o tema, medidas de repressão ao consumo e tráfico de drogas adotadas em outros países podem servir de referência ao Brasil. Acompanhe:

Portugal

Foi o primeiro país da Europa a descriminalizar o uso de drogas, em julho de 2001. Há sanções para traficantes e produtores, mas, segundo a lei, o usuário é considerado um doente crônico que precisa de tratamento. Se ele for flagrado com a droga (a quantidade máxima é detalhada na legislação), é encaminhado a uma comissão composta por um assistente social, um psiquiatra e um advogado, que irão decidir se o usuário será multado, condenado a prestar serviço comunitário ou encaminhado pra tratamento.

Suécia

Considera como crime o consumo de drogas, com punição de até três anos de prisão. Dependendo do caso, o usuário pode ser internado compulsoriamente para tratamento por até seis meses – depois, ele tem a opção de continuar se tratando ou ir para a prisão. A política é fortemente apoiada pela população e parece ter surtido efeito: nos últimos 30 anos, o número de dependentes no país caiu de 12% para 2%.

Holanda

Separa as drogas entre aquelas de risco aceitável (maconha e haxixe) e as de risco inaceitável (cocaína, heroína, anfetaminas e LSD). A maconha pode ser consumida em estabelecimentos específicos, mas o tráfico na rua é proibido e punido. Por outro lado, a posse e o comércio de outras drogas têm penas severas, como a detenção por 12 anos e multas de até 45 mil euros.

Estados Unidos

Lançou ainda nos anos 1970 uma forte política de repressão a traficantes e usuários que ficou conhecida como "guerra às drogas". Enquanto em 1980 menos de 50 mil pessoas foram presas somente pela venda ou posse de drogas, em 2007 esse número chegou a 500 mil. Na Califórnia, em 2000, uma proposta aprovada por referendo estipulou que quem for flagrado pela primeira ou segunda vez com drogas deve ser incentivado a fazer um tratamento, ao invés de preso.

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Criada em 2006 com a pretensão de diminuir o número de presos no país por tráfico de drogas – ao livrar o usuário de penas privativas de liberdade e tratar com mais rigor o traficante –, a chamada Lei Antidrogas (11.343/06) surtiu efeito contrário ao esperado. Em cinco anos, a quantidade de detentos custodiados em presídios por tráfico saltou de 44 mil para 117,1 mil (alta de 166%), sendo este hoje o delito mais comum no país, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). No mesmo período, a população carcerária de modo geral cresceu apenas 36%.

O cenário das condenações por tráfico se repete no Paraná, que registrou, de 2006 para cá, um aumento de 140% no total de presos envolvidos com a venda de drogas. O número de presos por tráfico no estado cresceu, por exemplo, num ritmo quatro vezes maior do que as prisões por roubo qualificado, delito que aparece como o segundo mais comum nas penitenciárias paranaenses. Em 2006, a quantidade de detentos que respondiam pelos dois crimes era praticamente equivalente (veja infográfico). Os dados corroboram um estudo recente do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), que coloca em xeque a eficácia da atual política de repressão ao tráfico de drogas, embasada por uma legislação problemática e práticas questionáveis dos órgãos de segurança e do Judiciário.

Para a pesquisadora do NEV-USP e coordenadora do estudo, Maria Gorete Marques de Jesus, o impacto do grande número de prisões acaba sendo "irrisório", visto que há um verdadeiro "exército de reserva" pronto a assumir o lugar dos traficantes detidos. "O resultado disso é um encarceramento em massa de uma população jovem e de baixa escolaridade, que depende da Defensoria Pública. E, por isso, é parte de um estrato social bastante precário", afirma.

Segundo a pesquisa, que analisou 667 autos de prisão em flagrante por tráfico e entrevistou 71 profissionais do sistema de justiça criminal de São Paulo, Santos e Campinas, a repressão tem como alvo, na prática, o "pequeno traficante" – figura que se confunde e mescla, muitas vezes, com a do usuário de drogas. Apesar de a Lei Antidrogas prever penas alternativas para aqueles flagrados com entorpecentes para consumo, ela não traz critérios claros para diferenciar usuário e traficante.

Identificação subjetiva

A ambiguidade dá brecha para a utilização de critérios subjetivos reconhecidos pelos próprios policiais entrevistados. O local onde o indivíduo se encontra, a presença de dinheiro trocado, a natureza e a quantidade da droga são alguns dos indicativos adotados para determinar se o suspeito estaria traficando ou não.

A análise do caso, porém, na maioria das vezes, para por aí: entre as 667 prisões analisadas pelo NEV-USP, 74% contaram apenas com o testemunho dos policiais que fizeram a abordagem e 84% das pessoas detidas não contaram com a assistência de um advogado no momento da prisão. O estudo indica ainda que, raramente, são produzidas outras provas além daquelas recolhidas durante o flagrante.

Descriminalização vai entrar na pauta do STF

A descriminalização do uso de drogas no Brasil deve entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda neste ano. Se os ministros decidirem que o consumo de drogas não é crime mas um direito de escolha, os usuários ficarão livres de sanções penais. Em novembro, o Supremo liberou as marchas a favor da legalização das drogas, mas deixou claro que isso não significava a autorização para o uso de entorpecentes.

Entre os defensores da descriminalização, tanto no Brasil quanto em outros países, estão figuras de peso, como o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Os dois fazem parte da Comissão Global sobre Política de Drogas, que incentiva a tomada de posturas diferenciadas e transnacionais sobre o assunto. Ano passado, a comissão divulgou um relatório onde afirmava, com veemência, que "a guerra contra os narcóticos fracassou".

Também em 2011, a política de repressão ao tráfico no Brasil foi tema de um ciclo de debates promovido no Senado. Apesar das experiências de países que optaram pela descriminalização, como Portugal e Holanda, ainda há uma forte resistência do Congresso quanto a essa opção. Há, inclusive, pelo menos quatro projetos em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado que pedem a volta da pena de detenção para o usuário de drogas.

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Interatividade

Qual a melhor estratégia para combater o tráfico: descriminalizar o consumo ou reinstituir a pena de prisão para usuários?

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