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Uma justificativa sempre à mão para os problemas de segurança no Brasil era a dobradinha pobreza da população/concentração de renda. Segundo essa explicação, muitos brasileiros em situação de fragilidade econômica e expostos à visão do conforto em que viviam os ricos eram forçados a debandar para o lado da criminalidade. Depois de alguns anos de boas notícias sobre a economia do Brasil, fala-se que essa tese não faz mais sentido porque a situação melhorou. Li e ouvi essa análise nas últimas semanas, mas não fiquei confortável com ela.

A tese da pobreza para justificar toda a insegurança não faz sentido hoje porque continua apresentando as mesmas lacunas que tinha ontem. Países com situação econômica semelhante ou até pior que a brasileira não registram índices de criminalidade iguais aos nossos. Inquestionável mesmo é que não temos tido estratégias eficientes e duradouras (mais conhecidas como "políticas públicas") para desencorajar a criminalidade.

Por outro lado, me espanta que já se fale como se tivéssemos evoluído muito no fortalecimento da população. O fato é que os pobres continuam pobres. Um pouco menos, talvez, mas ainda muito perto daquela linha vermelha que, se atravessada, deixa a pessoa na miséria.

Não é questão de negar os avanços. É que anos imersos em uma situação econômica periclitante (moratória, dívida externa, hiperinflação, "década perdida") afetaram várias gerações de brasileiros. Décadas de investimento insuficiente em áreas básicas (educação e saúde) também. Some essas duas situações e você terá um lamaçal que 20 anos de relativo avanço não foram suficientes para drenar.

Nos últimos 11 anos, informam dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, foram criados 14 milhões de postos de trabalho formais no Brasil. Muito bom! Pena que eles se concentrem na base da pirâmide, onde ficam os baixos salários (até dois salários mínimos). Para pessoas que têm uma família para criar, uma renda de cerca de R$ 1 mil por mês não é garantia de segurança. Não é dinheiro suficiente para o cabeça da família fazer planos, formar uma poupança ou investir na educação do filho. Ele continua sendo um malabarista.

Veja bem, leitor: não desprezo esse avanço, que é de se comemorar. Mas insisto que não foi suficiente para tirar milhões de brasileiros da zona de perigo.

Não é que na zona de perigo a pessoa seja necessariamente empurrada para a marginalidade. Mas, se ela for abordada pela tentação do crime (para os mais jovens, o que vem acontecendo através das drogas), as famílias continuam desequipadas para armar uma rede de resgate.

As tais famílias que vivem com um ou dois salários mínimos não contam com creches ou escolas de tempo integral. O que significa que são obrigadas a deixar seus filhos muito tempo em casa, sozinhos. Nem têm tempo ou recursos para ajudarem as crianças com dificuldades na escola (que as famílias de classe média encaminham para as aulas particulares, para o Kumon, para a fonoaudióloga e o diabo a quatro). Ainda que sejam filhos de pais trabalhadores, que têm emprego com carteira assinada, essas crianças estão em situação de risco. Se a escola não as prende de alguma forma, a tentação das ruas será muito grande. Ou a tentação de abandonar os estudos muito cedo, o que é maléfico para o país.

Os bandidos mais perigosos, os traficantes que administram redes complexas de tráfico, não são necessariamente frutos dessa situação. Eles são mais o resultado da incapacidade do Estado de detê-los e puni-los eficientemente, de modo a fazer com que os lucros de suas empreitadas não valham o risco da punição. Mas a criminalidade que assusta os brasileiros é feita também por uma rede de vidas desperdiçadas, de crianças e adolescentes que estão à disposição do crime organizado.

Esta revisão que percebo estar em andamento da relação violência-pobreza tem um lado bom e um lado ruim. O lado ruim é que a pobreza continua aí, mas há quem ache que ela já é um problema vencido. O lado bom é que ela desnuda a ineficiência das políticas de segurança pública. Sem a desculpa da pobreza, o rei está nu.

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