
Para evitar que a cidade pare, a receita está na ponta da língua dos especialistas: investir em transporte público e em modais não motorizados (caminhada e bicicleta), e restringir o uso do transporte individual. Mas Curitiba parece estar indo na contramão desse conceito com a implantação de mão única em várias vias e a formação de binários (ruas paralelas com sentidos opostos). Para especialistas, medidas como essas privilegiam o motorista, tornando vias antes pacatas em vias rápidas. Foi o que ocorreu na Rua Doutor Goulin, no bairro Hugo Lange. Desde as 11 horas da última terça-feira, a via passou a ter sentido único entre a Rua Almirante Tamandaré, no Juvevê, e a Rua Presidente Rodrigo Otávio, no Alto da XV, sentido Centro-Bairro. A novidade irritou participantes do Bicicletada, movimento de ciclistas curitibanos que defende a adoção de mais ciclovias. Moradores e comerciantes da região também se dizem inconformados principalmente com o fim das vagas de estacionamento.
Esta já é a 11.ª via a ganhar sentido único só nesse ano em Curitiba. "É uma política que privilegia o transporte individual e não é uma boa estratégia do ponto de vista da sustentabilidade", sentencia o doutor em Desenvolvimento Econômico e professor da FAE Centro Universitário, Lafaiete Neves. "Isso contraria uma tendência mundial de restringir o uso do carro e priorizar o transporte coletivo e da bicicleta", concorda o membro do movimento Bicicletada Fernado Rosenbaum.
Yuri Damnasceno Schultz, 36 anos, morador da região há cinco anos e também participante da Bicicletada, defende que alterações como essa são medidas paliativas e fazem o trânsito fluir apenas no início. "Se você pega uma pessoa infartada e, em vez de mudar seus hábitos, coloca uma ponte de safena, um tempo depois terá de fazer isso novamente. Essas vias rápidas e binários são pontes de safena".
O coordenador do curso de Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Fábio Duarte, também critica a política da prefeitura. "A Doutor Goulin era um excelente exemplo de rua que comportava os três modais: bicicleta, carro e pedestre. Como era toda interrompida, os carros tinham de reduzir a velocidade, o que permitia que fosse usada também por pedestres e ciclistas", opina.
De acordo com Duarte, ao contrário da política adotada por Curitiba, as cidades em todo o mundo têm buscado medidas de "acalmamento de tráfego". A interrupção, estreitamento das vias, colocação de trechos em paralelepípedos são algumas das opções, segundo ele. "Curitiba fez isso durante muito tempo. Por isso, sempre foi considerada uma cidade de vanguarda".
Para o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo, Orlando Ribeiro, a política aplicada pela prefeitura é necessária, mas deve vir acompanhada de medidas que beneficiem outros tipos de modais. "Uma coisa não descarta a outra. A implantação deveria vir acompanhada de calçadas bem pavimentadas para os pedestres e locais destinados às bicicletas", explica. "O problema é que essas coisas acabam não acontecendo de forma coordenada".
Outro lado
Segundo a gestora de operação do trânsito da Diretoria de Trânsito de Curitiba, Guacira Civolani, a intenção das mudanças na região é justamente priorizar o transporte coletivo e o pedestre em detrimento do carro. "O carro terá que dar mais volta. Com mão única, fica mais seguro para o pedestre atravessar e dá fluidez para o transporte coletivo". Com a mudança, a linha Cabral/Portão passou a trafegar pela Doutor Goulin, em vez de usar a Rua Augusto Stresser.
De acordo com Guacira, ainda, em outros pontos da cidade, não se verificou o aumento da velocidade nas vias que sofreram alterações semelhantes. "Se ocorrer isso, nós podemos implantar fiscalização eletrônica", assegura.



