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Experiência

O drama do relógio que não para

A angústia do envelhecimento e a da juventude têm o mesmo tratamento e colocam os dois momentos da vida em pé de igualdade no filme inspirado no conto de F. Scott Fritzgerald

O Curioso Caso de Benjamin Button mostra a trajetória de um velho que vai rejuvenescendo ao longo dos anos, no sentido inverso do relógio biológico | Divulgação
O Curioso Caso de Benjamin Button mostra a trajetória de um velho que vai rejuvenescendo ao longo dos anos, no sentido inverso do relógio biológico (Foto: Divulgação)
Fichas técnicas do filme e do conto |

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Fichas técnicas do filme e do conto

Um recém-nascido com características de um velho de 80 anos, abandonado em um asilo, criado por um casal negro, na Nova Orleans de 1918. A sinopse bizarra do filme de David Fincher não faz jus à abordagem terna e delicada sobre questões de vida e envelhecimento que a obra faz em 166 minutos de fita. Inspirado no conto homônimo de F. Scott Fritzgerald, Benjamin Button – o filme – é um convite à reflexão, e não é preciso ter mais de 60 anos para sair do cinema sensibilizado com a discussão sobre perdas, ganhos, experiência, memória, envelhecimento e juventude exposta pelos personagens de Brad Pitt e Cate Blanchett.

A serenidade com que Benjamin Button encara sua própria condição – em nenhum momento diagnosticada no filme – talvez seja a característica mais perturbadora do personagem principal. A criança em corpo de velho, com as limitações impostas pelas doenças de um ancião, não perde a curiosidade de aprender e descobrir, ao mesmo tempo em que não se deixa abalar pela estranheza que provoca nas outras pessoas. Criado em um asilo, rugas, limitações de movimento, autonomia e raciocínio dos idosos – quando mentalmente debilitados – e a proximidade da morte são tão comuns a Button quanto a própria vida. "Ele tem o comportamento de um velho sábio, que não vive mais angústias do desconhecido, apesar da sua situação completamente inédita, sem ter certeza do futuro", observa a aposentada Zita Macedo, de 77 anos.

A sessão de cinema fez Theresa Cunha, de 78 anos, voltar para casa pensando na própria história. "Comecei a refletir sobre meu passado e todas as referências que fui perdendo ao longo dos anos. Pensei nos meus amigos, nos meus irmãos, na vida que um dia eu tive. O filme faz este alerta: velho demais ou jovem demais, morremos da mesma forma, sem memória", compara.

Ao longo da trajetória de Button, que vai rejuvenescendo à medida que o tempo passa, ele vive o sentido inverso do relógio biológico do restante do mundo. Vê a mulher de sua vida crescer e amadurecer, coleciona as mortes dos companheiros de asilo sem sofrimento, descobre o amor e o sexo em situações inusitadas, arrisca-se no mundo em busca de aventuras e novos conhecimentos. A serenidade só é abalada diante da paternidade. "É o momento em que ele teme pela própria maturidade, que vai lhe faltar no futuro", avalia Zilda.

As direções opostas vividas pelo casal é outro ponto de reflexão. Juventude e envelhecimento são causas das mesmas angústias. Dayse, a mulher de Button, compara o ritmo de vida dos dois e sofre com a distância cronológica que cada vez mais os afasta. Ao mesmo tempo, Button se preocupa com a sua imaturidade futura, que não vai dar suporte à família e ainda sobrecarregar a mulher com sua debilidade infantil. "Ambos temem a mesma coisa, de maneiras diferentes. Isso nos mostra como o medo do envelhecimento e a preocupação excessiva com a aparência pode ser paralisante", explica a psicóloga Joyce Fischer.

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