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Olympio Sotto MaiorPromotor de Justiça.

Dizem economistas e historiadores que os anos 1980 foram a "década perdida" para a América do Sul, em especial para o Brasil, dadas as seqüelas deixadas pelos regimes militares na região. No caso brasileiro, nem tudo foram perdas. Foi nessa época, por exemplo, que o país mais evoluiu nos direitos da infância e da adolescência. E no Paraná, ninguém alcançou maior expressão do que o promotor de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, o homem por trás do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O interesse de Olympio pela defesa da infância começou cedo, influenciado pelo ambiente familiar. A mãe, Olinda, professora aposentada hoje com 84 anos, sempre falava para o filho sobre os direitos das crianças. "Ainda hoje ela dá bons conselhos", diz. Mas foi nos passos do pai, Lélio Guimarães Sotto Maior, à época funcionário da Assembléia Legislativa e comissário de menores, que ele tomou gosto pela causa. Aos 16 anos já acompanhava o pai em visitas aos abrigos para analisar pedidos de adoção. Começava ali uma carreira que dura 38 anos.

Olympio esperou completar 18 anos para finalmente também se voluntariar como comissário de menores. O interesse pelo assunto se aprimoraria com o curso de Direito, concluído em 1975 na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e com o ingresso no Ministério Público, em 1977. Como promotor, percorreu nove comarcas do Paraná. Atuou em várias áreas, mas nunca perdeu o foco na infância. Um dos maiores aprendizados viria entre 1986 e 1987, quando assumiu a Vara dos Adolescentes Infratores, em Curitiba.

Nessa época, Olympio seria um dos criadores da Comissão Estadual de Estudos sobre menores em Situação Irregular, agregando todos os órgãos públicos ligados ao setor, à qual logo se incorporaria a sociedade civil. Foi a primeira vez no Brasil que o poder público e a iniciativa privada se uniriam para traçar as políticas públicas de atendimento à infância e adolescência. Este seria o embrião do que hoje são os conselhos municipais e estaduais dos direitos da criança e do adolescente.

No final da década de 1980, convidado para falar num encontro de promotores de Justiça em São Paulo, Olympio apresentou o que seria um dos mais relevantes artigos do ECA. A tese diz que toda criança e adolescente deve ser criado em sua família de origem, em contraposição ao costume da época de tirá-la da família para dar em adoção. A carência de recursos materiais não pode, por si só, justificar a retirada do poder familiar. Nesses casos, a criança deve ser mantida com a família, e esta receber auxílio.

Na mobilização social pela Constituinte, na mesma década, Olympio se integraria ao Movimento Pró-Criança, na luta pelo princípio da prioridade absoluta à infância e à adolescência, este que hoje é o artigo 227 da Constituição Federal. Aprovada a nova Constituição, surge a necessidade de algo que substituísse o Código de Menores, um emaranhado de leis protecionistas que não previam direitos à infância e adolescência. Surgiram três propostas no Congresso.

Cada proposta teria um defensor. Olympio foi escolhido por diversos especialistas para argumentar em favor do ECA. Fez tão bem a defesa que a proposta não só foi a escolhida como ele ainda seria convidado pela relatora da comissão, a deputada federal Rita Camata (PMDB-ES), para assessorá-la nas mais de dez reuniões em que cada artigo da nova lei seria discutido. O ECA é apontado por juristas e especialistas como uma das mais completas leis de proteção à infância do mundo. Mas isso não basta. "A lei por si só não muda a realidade. A luta é para colocá-la em prática", diz Olympio.

Mauri König

Botânico de corpo, alma e nomenclatura

Gerdt HatschbachBotânico.

O nome é alemão, mas Gerdt Hatschbach é curitibano da gema. Aos 83 anos, é reconhecido como um dos maiores botânicos do país, tendo criado – com a ajuda de uns poucos auxiliares – o herbário do Museu Botânico de Curitiba, o quarto maior do Brasil, com cerca de 320 mil amostras de plantas secas. Sem falar nos gêneros Hatschbachia e Hatschbachiella, e nas dezenas de espécies vegetais batizadas em sua homenagem.

O acervo guardado em caixas verdes de metal vedadas com esparadrapo, conservado com formol e naftalina, só é menor do que o do Museu Nacional, o do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, e o do Instituto de Botânica do Estado de São Paulo. "Mas o pessoal aqui está querendo chegar logo nesse terceiro lugar", avisa o diretor do museu, que coletou com as próprias mãos a imensa maioria dos exemplares da coleção.

A paixão pelas plantas começou de maneira enviesada, por causa dos insetos. "Meu pai era orquidófilo, e desde criança eu gostava de acompanhá-lo nas suas incursões pelo mato", lembra o botânico. Quando tinha entre 10 e 12 anos, o pequeno Gerdt começou a interessar-se por insetos – mais precisamente os microcoleópteros da espécie Cucurlionidae, que infestam palmeiras. "A gente pegava os cachos inteiros das palmeiras para capturar os bichos", recorda. E foi pesquisando as plantas que hospedavam os insetos que Gerdt começou a sua coleção, em 1942. O primeiro exemplar está guardado até hoje no Museu Botânico de Curitiba.

O futuro botânico tinha então 19 anos e freqüentava o curso de Química Industrial na Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Eu gostava de química e de insetos", tenta explicar. Pouco tempo depois, começou a trabalhar com o pai na fábrica de calçados da família.

Depois virou auxiliar voluntário na sessão de invertebrados do Museu Paranaense, "nomeado pelo interventor Manoel Ribas". Durante anos a fio, acumulou as funções de representante comercial externo na fábrica do irmão, pesquisador amador nas horas vagas e auxiliar no museu. "Tive de escolher também entre os insetos e as plantas, porque já não tinha nem espaço mais na garagem da casa do meu pai."

Suas expedições pelo país e os contatos que fez conferiram a Gerdt um certo status no mundo da botânica, embora ele não tenha qualquer formação acadêmica na área. Essa reputação levou o então prefeito Ivo Arzua a convidá-lo para criar o Museu Botânico Municipal, em 1965. Foi só depois disso que o estudioso autodidata pôde se dedicar exclusivamente à botânica. "A prefeitura me contratou por 100 mil-réis, e eu pude sair da fábrica do meu irmão", comenta.

Hatschbach está à frente do Museu Botânico até hoje, dando expediente das 6h30 às 16h30 ("não suporto o trânsito do fim da tarde"), e faz questão de continuar liderando as expedições de carro pelo Brasil inteiro atrás de plantas, que coleta pessoalmente, com a ajuda de cinco auxiliares. "Enquanto eu tiver um sopro de vida e puder tomar uma pinguinha, vou continuar trabalhando."

Luigi Poniwass

Radicalmente contra o lenga-lenga

Dimas de Mello BragaProfessor.

O professor Dimas de Mello Braga é radical. Para ele, a educação do país só vai melhorar por meio de uma revolução – coisa que ele tenta fazer no dia-a-dia, com muita criatividade. Com 50 anos de idade e 30 de "janela" na área, Braga é um obstinado em achar e desenvolver projetos que estimulem as crianças a gostar de ir à escola.

"Não dá para ficar de lenga-lenga, tem de ter uma mudança radical para darmos um jeito de as escolas se tornarem mais atrativas do que a rua", afirma. E reforça: "A escola como é hoje começa a matar os talentos das crianças desde cedo. Do jeito que está, estamos formando as crianças que vão ser, no futuro, escórias da sociedade".

Ele não mede esforços para mudar essa situação. A lista de projetos que lidera é extensa: Piá na Roça, Xadrez Vivo, Livro Peregrino, Universidade na escola, Me conta uma história, por favor, Deixa eu te contar uma história, por favor, Escola na rua, Livro Social e por aí vai. "Fazer um projeto dar certo é como fazer um gol. É um vício, dá vontade de fazer um atrás do outro", conta.

E para isso vale de tudo: horta na escola, quadra de xadrez em tamanho gigante em que as peças são os próprios alunos, sair distribuindo livros por aí, percorrer universidades para convidar acadêmicos para palestras, encontrar formas de incentivar o aluno e os pais a ler ...

Suas iniciativas começaram desde cedo. Em umas das primeiras escolas em que Braga lecionou em Curitiba, observou um colega de trabalho, professor de educação física, dar uma bola às crianças, cruzar os braços e ficar olhando. Chegou até ele e sugeriu que organizassem um campeonato para a garotada. A resposta: "Para quê? Para ter dor de cabeça? Braga, se você tenta inovar muito, vai acabar sendo marginalizado por outros colegas, vai gerar ciúme".

A previsão ameaçadora se concretizou de certa forma e Braga esbarrou em alguns tipos de profissionais. "Há professores talentosos que também querem mudar a educação", diz ele. "Mas alguns desistiram e ficam apenas criticando quem tenta fazer algo diferente."

Braga, contudo, segue em frente. As vitórias são um grande estímulo. Um garoto indisciplinado, por exemplo, mudou muito de comportamento depois que começou a participar do Piá na Roça, projeto de horta desenvolvido na Escola Municipal Piratini, no Pinheirinho, onde Braga leciona. "Esse menino acabou se revelando um grande líder, todos os professores sentiram a diferença, só este caso já faz valer a pena."

Para Braga, professor que se preze exerce a função em tempo integral e precisa sentir orgulho disso. "Ser chamado de ‘professor’ faz bem para o ego", afirma. Filho de professores e pedagogo por formação, Braga acredita que a tal revolução que defende começa com o investimento maciço na educação infantil. "As crianças são o futuro."

Themys Cabral

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