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Casa no Centro de Castro abriga hoje a Casa da Cultura Emília Erichsen: arquivos do jardim se perderam no tempo | Josué Teixeira/ Gazeta do Povo
Casa no Centro de Castro abriga hoje a Casa da Cultura Emília Erichsen: arquivos do jardim se perderam no tempo| Foto: Josué Teixeira/ Gazeta do Povo

Trajetória

Professora abriu escola em 1862 e deu aulas a filhos de escravos

Emília nasceu em Pernambuco, no ano de 1817, e mudou-se com a família, aos 10 anos de idade, para São Paulo (capital). Desde pequena, recebeu uma educação muito rica. Entre seus professores estava José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro do império de Dom Pedro I que ficou muito conhecido pelo papel decisivo na Independência do país. Esses e outros dados biográficos foram levantados por Luiza Pereira Dorfmund, já falecida, que era bisneta da educadora.

Ainda na infância, Emília aprendeu inglês, italiano, francês e alemão. O aprendizado desse último idioma foi fundamental para que ela tivesse contato direto, sem traduções, com a obra de Froebel anos mais tarde. Com 23 anos, em 1840, casou-se com o navegador dinamarquês Conrado Ericksen. Pouco depois, o casal foi viver alguns anos na Europa. Cinco anos depois, com duas filhas pequenas, o casal retorna ao Brasil e passam a viver em São Vicente (litoral de SP), onde têm mais cinco filhos.

A família residiu, ainda, na Colônia Assungui (atual Cerro Azul), antes de se mudar para Castro, o que aconteceu em 1856. Um ano depois, Emília presta concurso para ser professora de segundo grau no ensino público, cargo que exerce até 1862. Nesse mesmo ano, Conrado falece. Viúva e com dificuldades para sustentar a família, a educadora abre seu jardim de infância – ainda em 1862 – no qual recebe alunos de 4 a 6 anos de idade, inclusive filhos de escravos de fazendas da região, os quais educava nos moldes da concepção de Froebel.

Em 1900, a professora, já idosa, vai morar em Palmeira, onde já vivia um genro. Morre naquela cidade, aos 89 anos, em 28 de setembro de 1907.

Atualmente, um colégio particular da cidade de Castro leva o nome de Emília Erichsen. Fundado em 1989, o local começou ofertando, justamente, a educação infantil. "Estamos levando adiante o idealismo da professora Emília. Procuramos, de alguma forma, aplicar os ensinamentos dela. Hoje temos turmas até o ensino médio e, para todas elas, oferecemos atividades ligadas à arte, à música, ações de solidariedade", afirma a professora Ângela Maria Albuquerque da Silva, coordenadora pedagógica do colégio.

Serviço

Casa da Cultura Emília Erichsen

Rua Jorge Xavier da Silva, 454 – em frente do Itaú – Castro (Centro). Telefone (42) 3906-2127 – para agendar escolas e grupo. Entrada franca.

Lembrança

Você lembra como foi seu cotidiano escolar no jardim de infância? Vê muitas transformações nos dias de hoje?

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  • O pesquisador Ronie Cardoso Filho vasculhou a história da escola: teoria trazida da Alemanha

Se alguém "deu a mão à palmatória" na escola para crianças da professora Emília Erichsen, em Castro (Campos Gerais), esse alguém foi a própria educadora. Indo na contramão de muitos de seus colegas de profissão, em pleno século 19, ela não concordava com os castigos físicos dentro da sala de aula. A escola de Emília, tida como o primeiro e verdadeiro jardim de infância do Brasil, completa 150 anos de fundação em 2012. Num tempo em que as classes que mesclavam meninos e meninas eram chamadas de "promíscuas", mesmo em documentos oficiais, ela ousou não fazer discriminação entre seus alunos.

O estabelecimento deixou de funcionar alguns anos antes de ela morrer, fato ocorrido em 1907. No entanto, o casarão que abrigava a escola e a morada da professora está preservado e ainda chama atenção numa rua central de Castro, em meio a edificações bem mais recentes. Tendo sido utilizado para diversas outras finalidades ao longo de mais de um século, desde 1992 o local abriga a Casa da Cultura Emília Erichsen. Uma foto da professora, já borrada pela ação do tempo, recepciona o visitante.

Apesar de levar o nome da educadora, a casa tem pouquíssimos registros associados à Emília, cuja documentação foi se perdendo ao longo das gerações. A memória ancestral, registrada por pessoas que conviveram com a pioneira do modelo "jardim de infância" no Brasil, é a principal fonte de evidências sobre o trabalho desenvolvido por ela. Foi com base nesses relatos, principalmente, que o pesquisador Ronie Cardoso Filho conseguiu chegar a uma história sobre a vida e a trajetória profissional de Emília.

"São poucas evidências, mas elas revelam, claramente, que ela teve uma vivência que ninguém mais teve entre os professores de então. Ela viveu na Alemanha por um tempo e foi contemporânea do educador germânico Friedrich Froebel, que inventou o conceito de jardim de infância. Não se sabe se ela o conheceu pessoalmente, mas é nessa época que surge o interesse dela pelo pensamento de Froebel, que fundamentou o estilo de ensino que ela empregou na cidade", conta.

Método

Por volta de 1840, na Alemanha, Froebel cria e aplica na sua própria escola de educação infantil o conceito de "Kindergarten" (ou "Jardim das Crianças"). O nome não era esse à toa, já que uma das ideias principais era levar o aluno até o jardim, literalmente. O método também incluía a utilização de objetos como formas (cubo, esfera) e materiais para a criança manipular, como argila e madeira. A técnica objetivava, de uma maneira geral, aprimorar, desde os primeiros anos de vida escolar, as capacidades neuromotoras do aluno.

Ronie afirma que, mesmo tendo uma clara influência de Froebel, não é possível afirmar que Emília tenha usado tais objetos com a sofisticação da proposta do educador alemão. "Ela pode até ter utilizado alguma coisa, mas, com certeza, não teve o mesmo apoio governamental que Froebel teve na Alemanha, principalmente na questão financeira. O ensino por lá era bem mais estruturado do que no Brasil", afirma.

Durante alguns anos antes de abrir seu jardim de infância, Emília também foi professora no ensino público da cidade. "Durante a pesquisa, encontrei o registro do concurso que ela prestou, na Câmara Municipal de Castro, para o cargo de professora. Consta a assinatura dela e de alguns dos vereadores, muitos dos quais se limitavam a um "X". Imagine como foi para ela ter a capacidade avaliada por homens que não sabiam ler", diz.

O modelo "jardim" ganha espaço

Quase 40 anos depois da abertura do jardim de infância de Castro, este modelo de educação passou a ter reconhecimento governamental. "Na virada do século 19 para o 20, com os processos de urbanização e industrialização, as mulheres começam, aos poucos, a participar do mercado de trabalho. Elas não tinham com quem deixar as crianças e o governo brasileiro começa a investir na educação infantil. Até então, esse público praticamente não tinha atenção governamental", explica a coordenadora do programa de pós-graduação em História da Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Maria Elisabeth Blanck Miguel.

A escola de Emília disputa o título de jardim de infância pioneiro, no modelo de Froebel, com a escola carioca de Joaquim José Menezes de Vieira. No entanto, a fundação deste estabelecimento ocorre apenas em 1875, cerca de 13 anos depois da abertura da escola castrense. De qualquer forma, a consolidação do modelo só acontece por volta de 1900 no país.

Maria Elisabeth afirma que a educação infantil brasileira foi bastante inspirada por Froebel por algum tempo. No entanto, as coisas mudaram. A pesquisadora de História da Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa Maria Isabel Nascimento afirma que a educação fora da sala de aula tem sido pouco valorizada atualmente. "As crianças estão perdendo o contato com as situações concretas, a infância acaba sendo voltada a atividades que não oportunizam uma vivência real."

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