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Vida ativa

O prazer de trabalhar sempre

Trabalhar até morrer é diferente de morrer de trabalhar. A produtividade do indivíduo só acaba com o fim da própria existência. E isso pode ser muito bom

Orlando Lopes, 67 anos, cercado pelos colegas na lavanderia: “não consigo ficar parado” | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Orlando Lopes, 67 anos, cercado pelos colegas na lavanderia: “não consigo ficar parado” (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)

Manter uma rotina de trabalho até o fim da vida parece injusto para quem cumpriu anos a fio a jornada diária no escritório, na fábrica, no comércio, na sala de aula, consultório, no campo ou em qualquer outro espaço. E pode ser muito penoso mesmo, se o indivíduo associar trabalho a emprego ou ocupação, e não à missão de vida ou legado. "No Brasil, o conceito de trabalho é ligado a castigo. A palavra vem do latim tripolium, um instrumento de tortura que provoca desconforto no pescoço. Mas se for encarado como fonte de vida e obra, o prazer do trabalho permanece por toda a vida. Quem consegue conciliar vocação com ocupação nem pensa em parar", explica o filósofo Mário Sérgio Cortella, professor doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autor do livro Qual a tua Obra?, lançado pela Editora Vozes.

A forma de encarar o trabalho também pode afetar a saúde física e mental do indivíduo sob aspectos diferentes, seja para continuar a trabalhar na terceira idade ou encarar a própria aposentadoria. "Para quem o trabalho é o sentido de vida – tanto no significado quanto na direção – a aposentadoria é uma ameaça e precisa ser preparada. Mas não deve ser o fim de um projeto. Pode ser uma adaptação da rotina, onde a missão continua em outras ações. O trabalho não se esgota na aposentadoria ou no emprego. Ele permanece como legado", observa Cortella.

Quem se recusa a parar tenta manter-se em cena e não ser recolhido aos aposentos, como sugere a palavra aposentadoria. E essa atitude pode ser salvadora, quando o sujeito encontra no trabalho a fonte de vitalidade necessária para permanecer saudável. Orlando Lopes, de 67 anos, encarregado da lavanderia do Hospital Milton Muricy, enfrentou dias difíceis durante os quatro meses em que ficou desempregado, há cinco anos. O período coincidiu com o diagnóstico de câncer da esposa. A situação em casa quase jogou Lopes na lona. "Por pouco não caí em depressão. O remédio que me salvou foi voltar ao trabalho", conta. Aposentado há um ano, Lopes mantém a jornada diária na lavanderia, atividade que desenvolve há 15 anos, e é o mais velho do setor. Convive com colegas mais jovens e coleciona manifestações de carinho e respeito, tanto da equipe que coordena quanto da empresa. "Enquanto eles me quiserem por aqui, vou ficar. Não consigo ficar parado", diz.

A maior ameaça à saúde com o fim do período formal de produção é em relação aos distúrbios de humor. De acordo com a médica geriatra Ana Paula Maciel Moreira Blaskowski, da Amil, a aposentadoria significa a mudança de um papel social desempenhado pelo idoso. A alteração na rotina pode levar à tristeza e depressão, sentimentos de inutilidade e incapacidade, o que reflete também nas condições físicas e intelectuais. "Quando para de trabalhar, o indivíduo tende a aposentar também suas funções cognitivas, o que afeta a memória", diz. O corpo todo sofre com a mudança. Os hábitos alimentares mudam – corre-se o risco de comer demais ou menos do que o necessário – e até mesmo a musculatura se ressente da inatividade. "Sair para trabalhar é um exercício físico importante para quem passou dos 60 anos", aponta.

Sair do mercado também altera o padrão de vida do trabalhador. O corte no orçamento altera comportamentos, como redução em atividades de lazer, como passeios e viagens, e até de tratamento médico. "Por isso, trabalhar na terceira idade só faz bem. Para a própria pessoa e para os outros, familiares e colegas de trabalho", avalia a médica.

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Interatividade

O trabalhador deve adiar a aposentadoria para manter os benefícios da atividade produtiva?

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