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Escrevo de Guadalajara, onde participo da tradicional Feira Internacional do Livro, junto com uma comitiva de escritores brasileiros que começam a ocupar, ainda timidamente, algum espaço internacional. O que se deve em especial ao Programa de Estímulo à Tradução da Biblioteca Nacional, que está fazendo o que muitos países de primeiro mundo já fazem há muito tempo – conceder bolsas a tradutores de títulos já contratados por editoras estrangeiras.

No mundo inteiro, a literatura é parte importante do que se chama soft power, o poder da cultura, suave, mas não menos eficaz, como americanos e europeus sempre souberam. Lembro que, na China, o intérprete que me acompanhava frisou o quanto é importante a divulgação cultural do país – e, me perguntando o que o Brasil conhecia dos escritores chineses, puxei pela memória e só me lembrava de dissidentes, que são os que chegam aqui. No caso do mundo latino-hispânico, não é a censura que nos atrapalha, mas prosseguimos distantes. Só os conhecemos, por acidente, pela via da Europa; e eles simplesmente não nos conhecem. São literaturas que conversam pouco entre si.

Mas, turista acidental, queria falar do México. Do Japão e da China, em minhas mal traçadas linhas, consegui dar alguma impressão de unidade, ou pelo menos criei essas identidades na minha cabeça. Mas o México confunde. Três dias na Cidade do México, a gigantesca capital que se espalha interminável, com pouca concentração de arranha-céus, deixaram-me com uma impressão a um tempo familiar, a pobreza ostensiva, uma informalidade espraiada em toda parte que parece ser a alma do país (aqui, "gorjeta" se chama propina, o que para nós é engraçado), e também estranha, como a sombra de uma civilização oculta que parece latejar teimosamente na superfície moderna.

Algumas horas no Museu de Antropologia (uma viagem impactante ao mundo pré-colombiano) e outras tantas passeando em torno da imensa Catedral, onde o clássico culto do martírio cristão dos pedintes mistura-se com indígenas fazendo límpias cerimoniais (o nosso "descarrego"), vão nos dando esta dimensão secreta. Há quem veja uma sabedoria transcendente nas culturas destruídas pelos espanhóis, ou mesmo nas que se autodestruíram séculos antes sem ajuda, como a dos maias.

O racionalismo europeu costuma apaixonar-se pelas sugestões da magia mexicana, pelo seu culto da morte, suposto sinal de uma inocência libertadora pré-cristã, como na obra de D. H. Lawrence (A serpente emplumada). Mas também pode-se ver aqui a tragédia de civilizações que apenas se condenam a repetir a si mesmas. Talvez seja um signo desta América Latina. A retórica da perpétua revolução – que se vê na grande arte muralista mexicana, e a rigor em cada placa de rua – coloca o ideário da esquerda na mesma dimensão mitológico-religiosa de um culto, com o seu subsequente e insuperável martírio.

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