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Com a falência do Estado (chamado de "primeiro setor"), a iniciativa privada (o "segundo setor") começou a ajudar na questão social por meio das inúmeras instituições sem fins lucrativos e não-governamentais, que compõem o chamado "terceiro setor", agora nos noticiários por conta de denúncias sobre relações ilegais do Estado com ONGs. Para lidar com essas entidades, seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) formou, este mês, a Comissão de Direitos do Terceiro Setor. Seu presidente, o advogado Gustavo Justino de Oliveira, falou à Gazeta do Povo sobre os desafios da área.

Como o senhor avaliaria o desenvolvimento do terceiro setor?

A expressão é nova e surge com força no fim do século 20. Mas o terceiro setor, no caso brasileiro, existe mesmo antes do Estado, porque a primeira entidade brasileira do terceiro setor é a Santa Casa de Misericórdia, uma entidade privada, formada por particulares, sem fins lucrativos e que realizava atividades de cunho social. O que mudou desde aquela época foi a relação dessas entidades com o Estado.

O papel do Estado sempre foi o de prestar serviço à população, mas as mudanças recentes enxugaram o Estado e também diminuíram os recursos, abrindo lacunas. É quando surge com muita força o terceiro setor.

Qual o objetivo da comissão da OAB-PR?

O primeiro objetivo é fazer um estudo muito aprofundado da legislação brasileira sobre o terceiro setor. Chamamos um grupo de advogados que já têm experiência com essa matéria. Vamos estudar a legislação e propor mudanças. Também queremos mostrar aos advogados que essa é uma área que cresce. São oportunidades de trabalho para o advogado e, pela preocupação com questões sociais, exigem uma abordagem bem diferente da advocacia tradicional. Ainda pretendemos criar uma normatização paranaense para que escritórios ou advogados possam prestar serviços gratuitos para entidades que não podem pagar advogados. Isso hoje é proibido, por ser considerado captação ilegal de clientela. Assim, nosso trabalho estará beneficiando a sociedade civil.

Por que a OAB criou uma comissão específica para o terceiro setor?

A OAB representa os advogados, mas não é unicamente um conselho profissional. Entre as nossas atividades estão a defesa dos direitos humanos e a justiça social. E estamos vivendo uma crise de ética no Estado. Diante disso, existe um papel importante da OAB no combate à corrupção. Além disso, o terceiro setor cresceu muito na década de 90, e a legislação é muito antiga e espalhada. Não há um "código do terceiro setor", mas devia haver uma regulação. Todas essas relações nos levaram a criar a comissão. Somos o segundo estado a fazer isso, depois de São Paulo.

Qual sua avaliação da legislação existente sobre o assunto?

Pretendemos fazer uma consolidação ou até uma coletânea das leis do terceiro setor e estudar incoerências. Ao lado de leis da década de 30, que ainda têm um grande peso hoje, há leis novas, de ponta, que os juízes não conhecem, pois não há muitos artigos escritos sobre o tema.

Como ONGs podem ser usadas para operações ilegais?

Estas pretensas ou supostas ONGs que nascem com o único objetivo de retirar e desviar dinheiro público, às vezes para o próprio chefe do Executivo, não fazem parte do terceiro setor, mas de um esquema de autofinanciamento ilegal de campanhas, sempre para abastecer o caixa 2 dos partidos. Isso chegou a um ponto de extrema gravidade, e a minirreforma eleitoral de maio de 2006 proíbe partidos e candidatos de receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro de entidades beneficientes, religiosas e ONGs que recebam recursos públicos.

Não é incoerente que organizações não-governamentais dependam tanto de recursos do Estado?

Estamos vendo os efeitos negativos dessa aproximação excessiva das ONGs e do Estado. Se a fonte de recursos da entidade é pública, essa ONG vai querer estar sempre muito próxima dos governantes e dos políticos, e começa a pensar e agir como esses políticos. A ONG se descaracteriza e a criação de benefícios públicos, que deveria ser o principal, é esquecida porque tudo gira em torno de ter recursos e comprovar sua aplicação.

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