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| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

Outro lado

Número de agentes atende as diretrizes, diz Seju

O efetivo de agentes penitenciários do Paraná atende as diretrizes do Conselho Nacional de Política Criminal (CNPCP), informou, por meio de nota, a Secretaria de Estado de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju). O estado tem 3.861 agentes (entre contratados por Processo Seletivo Simplificado e os que atuam nas carceragens de delegacias) para um contingente de 19,2 mil presos. "Equivalendo a 4,97 presos por agente, o que coloca o Paraná no ranking do cenário nacional como um dos líderes nessa relação agente/preso", consta da nota.

Apesar disso, a Seju acrescenta que tramita nas secretarias do governo um projeto para a contratação de mais 2,5 mil agentes penitenciários. No entanto, o fato de o estado estar próximo do limite prudencial de gastos com pessoal pode inviabilizar a iniciativa. Em relação aos equipamentos, a Secretaria vai realizar no dia 14 de outubro um pregão para alugar 485 radioscomunicadores portáteis.

Tratamento

Agentes chegam a pagar do bolso por atendimento psicológico

Felippe Aníbal

Segundo a Secretaria de Justiça (Seju), ao agentes penitenciários feitos reféns em rebeliões nas unidades prisionais do Paraná são afastados temporariamente do trabalho para tratamento "bio-psicologico-social", que incluiria atendimento por médicos, psicólogos e assistentes socais. A terapia, afirma a Seju, é custeada pelo estado e o tempo de tratamento varia caso a caso.

Apesar da versão oficial, o Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) afirma que os servidores têm tirado dinheiro do bolso para terem atendimento. "Uns passam pelo SAS [Sistema de Atendimento à Saúde, vinculado ao governo do estado], mas, a maioria é encaminhada a determinados médicos e os agentes tem que pagar. Além do stress diário, tem isso", afirma o presidente do sindicato, Anthony Johnson.

Para o Conselho da Comunidade na Execução Penal da Comarca da Região, a falta de respaldo aos agentes é grave. "Temos cobrado do Depen. Imagine as condições que a pessoa sai da rebelião. Ainda assim, eles [os agentes] estão sem nada, sem respaldo. Não chega a seis o número de psicólogos em todo o sistema penitenciário do estado. Claro que não conseguem atender a todos", disse a advogada Isabel Kugler Mendes, presidente do conselho e membro da comissão nacional de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

"Não tem rádio. Se os presos nos pegarem, não tem como avisar ninguém. Dominam tudo e quando forem ver já vai ter preso andando solto nas galerias, com a cadeia virada", diz um agente feito refém.

"Os presos criaram a certeza de que se fizerem rebelião vão conseguir ser transferidos. O governo fica sem ter o que fazer, porque tem gente feita refém. Tem que negociar", diz outro agente já feito refém.

• 3.861 agentes são responsáveis por cuidar de 19.223 presos no Paraná. A taxa de 4,97 presos por agente é considerada adequada pela Seju.

• R$ 4.395,45 é a remuneração inicial de um agente penitenciário no Paraná.

A faca artesanal era pressionada com força contra o pescoço do agente penitenciário Robson*. Por trás dele, dezenas de detentos rebelados e que haviam ganhado o telhado da Penitenciária Estadual de Piraquara II (PEP II) gritavam aos policiais e autoridades. O refém ouvia as ameaças com frieza, mas não sem suar frio. Nas 26 horas que durou a rebelião – entre os dias 12 e 13 de setembro – ele ficou em poder dos presos. Por cinco vezes foi exposto na cobertura da prisão e ameaçado com as armas artesanais.

"Quando eu ouvia os passos mais apressados, sabia que eles iam me levar lá pra cima. Na hora não tem o que fazer. É tentar ficar calmo", disse Robson. Além dele, outros 43 agentes penitenciários foram mantidos reféns, nas 21 rebeliões ocorridas em presídios paranaenses desde dezembro do ano passado – uma delas ainda em andamento, na Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), até o fechamento desta edição. Três deles contaram à Gazeta do Povo os horrores vividos nas horas em que estiveram "guentados" (gíria para "dominados") pelos presidiários.

"Você se sente um lixo, porque, por mais que você respeite o preso no dia a dia, você não sabe o que vai acontecer durante a rebelião. É muita tensão. Eu vi a cara da morte. Só pensava na minha família, que eu queria ver todos eles de novo", disse Laércio*, agente penitenciário da PEP II, que também foi rendido em uma rebelião neste ano.

A paz no interior dos presídios, dizem os agentes, existe no fio da navalha. Relatam que, dentro das celas, os presos fabricam os "estoques" (armas improvisadas) com facilidade, a partir de pedaços de vergalhões, retirados da estrutura das paredes. "Eles cavam as paredes, retiram aço das vigas e já era", contou Mário*, que também já teve sua vida nas mãos dos presidiários.

Armados, os detentos se aproveitam das falhas de segurança, ampliadas pelo efetivo defasado de agentes, e estouram os motins. Na PEP II, em média, 30 agentes cuidam da movimentação interna dos 1,1 mil presos. Quando Robson e outros dois colegas conduziam três presos à cela, um deles conseguiu se soltar das algemas e abraçou o agente. "Quando eu vi que o pessoal da [cela] 12 passou faca para os presos de fora, eu me rendi. Soltei o [detento] que estava segurando e disse: ‘tô pego, tô pego", relembrou. "Aí, veio o terror e a tentativa de ficar calmo".

Laércio, por sua vez, estava sozinho quando foi rendido. Antes que fosse dominado, tentou chamar apoio, mas o radiocomunicador não funcionou por falta de bateria. "Os presos davam risada. Falavam: ‘Vocês são uns comédias. Nem HT (radio) vocês têm’", disse. "E eles têm razão. Se HT, que é o básico, a gente não tem, como é que se trabalha?", questionou.

*nomes fictícios

"Caderno de Segurança" é peça de ficção

A cada conversa, os agentes penitenciários batem reiteradamente em duas teclas: na defasagem do efetivo e em problemas estruturais nas penitenciárias. O Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindarspen) estima que sejam necessários pelo menos mais 1,2 mil servidores, para complementar o quadro atual, de 3,3 mil concursados. Além dos rádios HTs, há relatos de que chegam a faltar algemas e cadeados.

Assim, não se consegue cumprir o chamado "Caderno de Segurança", um conjunto de normas e de procedimentos técnicos definido pelo Departamento Penitenciário (Depen) para fazer o controle e a movimentação dos presos.

"É impraticável. O ‘Ca­derno de Segurança’ é uma peça de ficção. Não dá pra aplicar o que está escrito, porque não tem agentes suficientes pra isso. Ou você tira o preso como dá, no respeito, ou não tira. Se for cumprir o ‘Carderno’, a unidade para", avaliou Robson.

As falhas nas assistências jurídica, psicológica e médica aos presos também geram angústia nos agentes penitenciários e ajudam a inflamar os motins.

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