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Norberto Paulista resistiu o quanto pôde, mas acabou vencido pelo cansaço. Ele tinha um próspero comércio de secos e molhados numa região remota, mas sem concorrência, em Cerro Azul, no Vale do Ribeira. Diversas vezes a CBA botou preço na propriedade. Norberto recusou todas. Era preciso evacuar a área para o reservatório da hidrelétrica Tijuco Alto, então a CBA foi comprando as terras vizinhas. Sem freguesia, a mercearia morreu à míngua. No sobrado às margens da estrada poeirenta hoje funciona a Drink’s Boate Show, das irmãs Carmenluci e Maricléia Prado Gonçalves.

Ali Norberto começou a vida aos 20 anos, em 1970, ao sair da casa da mãe num povoado vizinho. O mercadinho vingou até 1997, quando os fregueses sumiram de vez. Quem saía levava o que podia das casas. "Ficou como o Iraque na época da guerra", compara Norberto. Ele acabou vendendo meio alqueire de terra e o sobrado de 212 metros quadrados por R$ 42 mil, em 2005. As dívidas obrigaram-no a vender também o seu xodó, uma caminhonete D-10. Hoje, tenta se reerguer. Produz laranja em dois sítios e tem umas 30 cabeças de gado. As novas donas do sobrado sabem que de uma hora para outra podem ter de sair.

Quem toca o negócio é Maricléia, enquanto a irmã trabalha numa boate na Espanha. Elas já haviam alugado o sobrado em 1999. Gostaram tanto que juntaram o dinheiro de três temporadas na Espanha para comprá-lo. Das oito garotas de programa da Drink’s Boate Show, três moram ali e as outras só trabalham nos fins de semana. O lugar é isolado, mas Maricléia diz ter clientela fiel. "Era o sonho dela", conta a irmã. Investiram em reformas e agora não saem do lugar por menos de R$ 200 mil de indenização. Elas têm o que negociar, ao contrário dos ribeirinhos que saíram dali com uma mão na frente e outra atrás.

Lucidório Meri, o Neno Meri, de 64 anos, não fazia outra coisa senão trabalhar a terra. Há seis anos vendeu à CBA o alqueire de terra onde tinha um bar e plantava laranja, feijão e milho. Hoje, tem um barraco num terreno de 360 metros quadrados, 66 vezes menor do que sua antiga área, às margens do Rio Ribeira, onde dois filhos ficaram para cultivar o retalho de terra que restou. Agora Neno Meri vive do plantio de feijão e milho na propriedade dos outros. "A vida piorou muito", lamenta. Recentemente, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e ficou com uma das mãos amortecidas. "Sorte que é a esquerda, porque a direita é para pegar a enxada."

Menos sorte tiveram Antonio Paliano, 48 anos, e Sidinei Paes, de 25. Perderam o emprego quando as terras que cultivavam no povoado de Mato Preto foram vendidas. Agora vivem de bicos e moram numa favela que começa a se formar num dos morros de Cerro Azul. Sidinei chegou há cinco anos e Antonio, há três. O primeiro tem dois filhos e o segundo, seis. Ali há mais quatro famílias vindas da mesma região que não figuram na pesquisa encomendada pela CBA para contrapor as afirmações de ambientalistas de que existiriam muitas famílias de não-proprietários vivendo em favelas por causa do processo de compra de terras.

Dois levantamentos feitos pela CNEC Engenharia descobriram sete famílias em bairros populares de Ribeira, Cerro Azul e Adrianópolis. A intenção é identificar os posseiros, meeiros ou arrendatários para incluir todos os atingidos pelo projeto no programa de compensações da CBA. Saindo a licença da usina, as famílias das áreas a serem alagadas terão três opções: 1) a venda direta, incluindo as benfeitorias e indenizações sobre a atividade econômica desenvolvida; 2) troca por outro terreno com benfeitorias; 3) vender parte do terreno e continuar nas áreas onde se encontram, dependendo da localização e da parte a ser alagada.

A CBA assegura que também serão beneficiados aqueles que eram ou são arrendatários, meeiros, posseiros, ou que moravam de favor nas terras adquiridas pela CBA. "Eles vão receber terras e o título de propriedade, com todas as benfeitorias, tornando-se finalmente proprietários", informa a empresa. Contudo, a subsidiária do grupo Votorantim não fala nada sobre as pessoas que já saíram da área de abrangência da usina de Tijuco Alto. Segundo estimativa do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea), mais de 200 famílias desalojadas pela CBA vivem em más condições de vida na região metropolitana de Curitiba, em cidades como Colombo, Almirante Tamandaré e Tijucas do Sul.

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