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A chegada de Cristiane Yared à Igreja do Evangelho Eterno é cheia de som e fúria. De seu grande carro preto – desses que parecem um caminhão – saem ela e mais as mães trágicas que foi recolhendo de carona. Saem também caixas de salgados e docinhos para comer no final do encontro das terças-feiras à noite. Ao contrário do que se possa imaginar, essas mulheres que choram ainda sabem rir e se indignar.

Na semana passada, particularmente, o barulho estava armado entre os cerca de 20 participantes, vários com a foto dos seus mortos estampados em camisetas brancas. "Imaginem quem já está solto? Quem ganhou liberdade provisória, hein?", pergunta Cristiane no início da reunião, referindo-se ao caso Eduardo Miguel Abib, envolvido num acidente que causou quatro mortes há duas semanas.

As histórias de cada um dos pais e irmãos vão se sobrepondo na roda de conversa. Em comum, além da perda violenta de alguém da família, os poucos avanços nos inquéritos. "O escrivão continua me enrolando", avisa Rose Mari Carriel de Lima, 44 anos. Ela perdeu o filho Robson, em 22 de dezembro de 2008, um dia antes de completar 21 anos. O nome do rapaz está tatuado no braço da mãe, ainda atordoada com o sem número de versões que foram surgindo sobre o caso. "Já quiseram me convencer de que era ele quem estava dirigindo", conta, sobre o acidente envolvendo embriaguez e um veículo sem manutenção. Às vésperas do Natal, cinco rapazes, num carro velho, se viram atirados de uma altura de 17 metros na PR-277, com o óbito de um deles. A culpa, agora, lhe cai bem.

Quando a reunião começa, quem domina a cena não é mais Cristiane, mas sua mãe, Sulamita. À moda evangélica, abre com um testemunho. Perdeu um filho jovem em acidente, uma filha por erro médico e agora o neto Rafael. Conta que caiu de cama, que queria os seus de volta, mas que hoje aprendeu a conviver com a ausência. Alguém diz amém. Mais alguém conta histórias de consolo divino, do "anjo do Senhor" e do "óleo da alegria", logo interrompidas por indignação e estatísticas que elas carregam na ponta da língua. "Quatrocentos mil jovens morrem de acidente por ano no mundo, sabiam?"

Há mesmo momentos divertidos, como a do homem que tenta, em vão, falar da personagem de Aline Moraes, em Viver a Vida, tetraplégica depois de um acidente de carro. Mas tratar de novela em círculos evangélicos não é uma boa pedida. O encontro é multiconfessional, mas o testemunho fica pela metade.

No grupo, a mais calada é Vilma Waechter, 49 anos, mãe de Renata, a vítima dos hitlerianos reunidos em Quatro Barras, 21 de abril último. "Minha filha morreu por amor. Estava no lugar errado com o homem errado", diz a mãe, que deixou o emprego e mal sai de casa depois do ocorrido. "O único lugar em que venho é aqui. Venho porque tenho medo que o caso caia no esquecimento. Eu queria Justiça." Al­­guém diz amém. (JCF)

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