• Carregando...
O Sítio Cercado em sua origem: bairro começou em um sítio de 175 alqueires que foi sendo vendido e loteado ao longo dos anos. Os habitantes mais antigos agora levantam a história que será contada pelo Museu da Periferia | Divulgação/Museu da Periferia
O Sítio Cercado em sua origem: bairro começou em um sítio de 175 alqueires que foi sendo vendido e loteado ao longo dos anos. Os habitantes mais antigos agora levantam a história que será contada pelo Museu da Periferia| Foto: Divulgação/Museu da Periferia

Origem

Modelo surgiu no Chile

Pesquisadores e museólogos reunidos em Santiago, no Chile, discutiram em 1972 a função social dos museus e, a partir daí, criaram o conceito de museu social e, mais tarde, de museu da periferia.

"No encontro, lembraram que muitas vezes os museus se tornam reféns de seus acervos, ficam enclausurados e distantes das comunidades. Não teriam correspondência direta com nenhum movimento, como o das mulheres ou o dos negros. Eles começaram a questionar isso e criaram um novo conceito de museu", explica o diretor do Departamento de Processos Museais do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Mário Chagas. Na França e no Canadá já existem vários museus com o mesmo objetivo, só mudam de nome.

No Brasil o assunto é recente. O Museu da Maré, fundado oficialmente em 2006 no Rio de Janeiro, é um exemplo de Museu da Periferia que obteve sucesso. Uma das sócias fundadoras, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, conta que o trabalho deu certo depois do mapeamento feito dentro da própria comunidade, que não necessariamente é coletado, mas registrado. "Não significa que todos esses museus serão iguais no Brasil. Cada um vai ter seu perfil e sua dinâmica. Um pode ter sede, outro pode ter apenas visitas guiadas pelo bairro", diz. O Museu da Maré fica em uma casa de madeira de palafita, que mostra como eram as antigas moradias da comunidade.

  • Hoje o bairro da região Sul de Curitiba tem 180 mil habitantes, sem espaço para novas moradias. Há 30 anos, eram apenas 8 mil

Nos últimos 30 anos, o Sítio Cercado viu sua população inchar de 8 mil para 180 mil habitantes. Com tanta gente nova chegando, a história do bairro poderia ir literalmente pelo ralo, não fosse a iniciativa do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e dos moradores antigos da região. Mãos à obra, em 2009 os poucos viventes antigos que circulam pelas ruas da região Sul de Curitiba começaram a colocar em prática uma ideia mirabolante que até então parecia não ter pés nem cabeça. Começaram a juntar fotos velhas e relatos de quem viu o bairro crescer. O resultado deve ser visto em breve: o Sítio vai ter sua história contada em museu e possibilitar que pessoas como Vera e Deusita, antes desconhecidas, virem personalidades do Brasil.

O projeto do Ibram de criar os Museus da Periferia surgiu em 2003 e começou com unidades no Rio de Janeiro, nas favelas da Maré e do Cantagalo. "É um novo conceito de museu que surge no Brasil, chamado de museu social, onde o direito à memória se faz presente em comunidades populares que tenham níveis de vulnerabilidade social, mas que por outro lado apresentem este desenho de cuidar da memória", explica o diretor do Departamento de Processos Museais do Ibram, Mário Chagas. O projeto é simples. Os moradores colhem todas as informações e registros possíveis, juntam tudo e, se conseguirem, criam uma sede para abrigar a papelada. O lugar é aberto ao público e tem ainda salas para expor o que a comunidade local produz, em termos de arte, e também abre espaço para artistas de fora.

O museu passa a receber visitantes, pode fazer visitas guiadas para quem quer conhecer a história do bairro e, de quebra, a comunidade se identifica com o local onde mora e valoriza o que antes era visto como algo vergonhoso. Bingo. O Museu da Periferia é o jogo invertido: não se valoriza mais apenas o museu que fica distante das pessoas e que não se preocupa com a história delas en­­quanto estão vivas. "A comunidade, quando se apropria da própria memória, percebe que pode construir um futuro diferente. É a memória usada como terapia social, que amplia a dignidade e a coesão social", diz Chagas.

Não por acaso, a criação do Museu da Periferia tem apoio do Ministério da Justiça, por meio do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) e acontece atualmente em 11 capitais brasileiras: além de Curitiba, já existe no Rio de Janeiro e está em fase de implantação também nas cidades de Belo Horizonte, Brasília, Belém, Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo. Na capital paranaense, ainda não se sabe quando o Museu vai abrir oficialmente porque os moradores estão em busca de uma sede. Por enquanto, já é possível acessar a história pela internet (www.mupesitiocercado.wordpress.com).

Como era?

A origem do bairro está em um sítio de 175 alqueires que era cercado pelas águas dos arroios da Padilha, Cercado e Boa Vista. Daí o nome. A senhora Deusita, 89 anos, é uma das herdeiras das terras de seu pai, Isaac Ferreira da Cruz (que dá nome à principal rua da região), e atualmente a única que permanece vivendo na região desde os tempos mais antigos (ela é a sucessora da família dona do sítio). O resto das terras foi aos poucos sendo vendido e loteado, desde 1946.

Com a presença dos loteamentos, principalmente na década de 70, a história de Vera se mistura à de Deusita. Vera Lucia Soares Peres chegou ao bairro em cima de um caminhão, por volta da meia-noite do dia 23 de agosto de 1991. Ela saiu do Xaxim, depois de não conseguir mais pagar o aluguel, se juntou ao movimento pela moradia e chegou ao Sítio Cercado com o intuito de negociar um terreno com a prefeitura. "Naquela época não existia uma boa política para quem quisesse comprar um terreninho para construir. Acaba­mos ocupando as terras. Éramos cerca de 300 famílias. Houve conflito, brigas, mas tudo passou. Antes não tinha vontade de ficar em casa, hoje tenho o Sítio Cercado como o lugar onde nasci", diz.

Deusita viu Vera chegando de caminhão com seu comboio e todos os outros atuais 180 mil habitantes que chegaram. O Sítio, hoje, já está pequeno para tanta gente.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]