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Comportamento

Pílula completa meio século

Popularização do anticoncepcional permitiu, além do planejamento familiar, a maior dedicação da mulher ao trabalho

Selma é da primeira geração a tomar a pílula. Controle da natalidade no casamento só foi possível depois do segundo filho | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Selma é da primeira geração a tomar a pílula. Controle da natalidade no casamento só foi possível depois do segundo filho (Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo)

Símbolo da revolução feminina e considerada uma das mais importantes descobertas do setor farmacêutico, a pílula anticoncepcional está completando 50 anos de existência. Nesse meio século, muita coisa mudou. Com o controle sobre a própria fertilidade, as mulheres se lançaram a outros desafios. Além de conquistar a liberdade sexual, elas passaram a planejar o futuro, escolhendo o momento certo de ser mãe e dedicando-se à vida profissional. Ao longo dessas cinco décadas, os próprios anticoncepcionais evoluíram e hoje, mais do que evitar uma gestação, trazem consigo uma série de outros benefícios.

Quando foi lançada, em 1960, nos Estados Unidos, a primeira pílula tinha uma quantidade de hormônios até seis vezes maior do que os produtos existentes hoje no mercado. Por causa dos efeitos colaterais, como o risco de trombose, as náuseas e o ganho de peso, o medicamento sofreu alguma resistência por parte das usuárias. Somente dez anos depois foram lançadas as chamadas pílulas de segunda geração, que tinham uma dosagem hormonal um pouco mais baixa. Com a redução dos efeitos indesejados, o método tornou-se mais popular. Em 1970, 6,8 mi­­lhões de cartelas de pílulas anticoncepcionais foram vendidas no Brasil e, em 1980, este número subiu para 40,9 milhões. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, em 2006, 81% das mulheres em algum tipo de união faziam uso de um método anticoncepcional. Desse total, 25% optavam pela pílula. "A pílula tem um valor social grandioso, pois deu à mulher o controle da sua vida sexual e pôde desvincular o sexo da gravidez", afirma o médico ginecologista e presidente da Sociedade Brasileira de Repro­dução Humana, Waldemar Na­­zes do Amaral.

Ao mesmo tempo em que crescia o consumo da pílula, caíam as taxas de fecundidade. Em 1960, as brasileiras tinham em média 6,3 filhos. Na década de 70, essa média caiu para 5,8. Em 2000 diminuiu para 2,3 e em 2006, chegou a 1,8. Podendo pla­­nejar melhor o momento de ter filhos, muitas mulheres passaram a se dedicar mais aos estudos e à vida profissional. De acordo com indicadores da Fun­dação Carlos Chagas, a participação da mu­­lher no mercado de trabalho ou procurando emprego em 1976 era de 28,8%. Já em 2007, subiu para 43,6%. Em 2009, dados do IBGE revelam que o trabalho feminino já corresponde a 45,1% da população empregada no país.

Embora a história da pílula se misture à história de revolução feminina, para a socióloga, professora da Universidade Federal do Paraná e cofundadora do Núcleo de Estudos de Gênero Miram Adelman, os movimentos pela emancipação da mulher são anteriores ao seu surgimento. "Muitas pessoas veem a pílula como a força que impulsionou todas essas mudanças, mas na verdade a luta das mulheres pelo controle do próprio corpo vem de antes." Na opinião da estudiosa, até mesmo os benefícios tão enaltecidos do anticoncepcional, como o controle sobre a fecundidade, podem ser contraditórios. "Ainda é necessário muito esforço para que se consiga que os homens dividam com as mulheres a responsabilidade da concepção", defende.

Contraceptivo mudou a história de muitas mulheres

Hoje com 71 anos, Selma Nogueira faz parte da primeira geração de mulheres a usar a pílula anticoncepcional. Casou-se em 1961, aos 21 anos. Um ano depois teve o primeiro filho. No ano seguinte, o segundo. E foi aí que entrou a pílula para mudar a história. "Minha mãe teve 13 filhos, meu irmão mais novo é 18 anos mais jovem que eu. Cresci ajudando a cuidar de muitas crianças, não queria isso para mim. Não queria ser como minha mãe ou minha avó, que tiveram muitos filhos", conta.

Ela diz que, na época, qualquer assunto ligado a sexo era tabu. "Quando fiquei menstruada, aos 13 anos, nem sabia o que estava acontecendo. Quando casei, nem sabia o que era ter relações, engravidei na minha lua de mel", diz. Sem poder conversar com a família ou até mesmo com as amigas, Selma recorria a seu médico de confiança, que certa vez comentou sobre a chegada de um comprimido que evitaria a gravidez. "Ele me perguntou se eu queria ter mais filhos, eu disse que não e então ele me receitou a pílula", lembra.

Por dez anos, os comprimidos evitaram que Selma engravidasse. "Só que eu engordei muito e meu marido então me disse para que eu parasse com a pílula. E aí o que aconteceu foi que eu engravidei outra vez", conta. Depois do nascimento da filha, ela então to­­mou uma atitude radical, fez uma laqueadura. "Acho que ter filhos é muito bom. Amo meus filhos, hoje estou viúva e eles são a minha companhia. Mas acho que ser mãe é muita responsabilidade. Que bom que existe a pílula e que as mulheres podem se cuidar", afirma.

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