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A Polícia Civil de São Paulo abriu um inquérito contra o jornalista Luiz Vassallo, repórter do portal Metrópoles, após a publicação de reportagens sobre o patrimônio de um delegado paulista, em março deste ano. Vassallo relatou ter recebido na terça-feira (3) uma intimação sem informações básicas sobre o caso, como o nome do delegado responsável e se seria ouvido como testemunha ou investigado.
O documento citava que “o não comparecimento estará sujeito às penas previstas no artigo 330 do Código de Processo Penal”, ou seja, crime de desobediência. A regra descreve a conduta criminosa como sendo o ato de não acatar ordem legal de funcionário público. O delegado chegou a ser afastado de um cargo de chefia após ser citado pelo delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), Vinícius Gritzbach, em delação premiada.
Gritzbach foi assassinado no Aeroporto de Guarulhos (SP), em novembro de 2024. Segundo o Metrópoles, o delegado “blindou” cerca de R$ 10 milhões em patrimônio, incluindo fazendas e imóveis, através de uma empresa de sociedade anônima, depois de ter sido citado por Gritzbach na delação. O inquérito sobre este caso foi arquivado.
Ao Estadão, o delegado disse, em nota, que Gritzbach foi enganado com o uso indevido de seu nome, “tanto que tudo foi prontamente arquivado”, e destacou que o processo de sucessão patrimonial começou antes da delação. Para o delegado, a matéria de Vassallo foi “distorcida, afirmando erroneamente que eu estava blindando, ou seja, escondendo, o meu patrimônio em razão da delação”.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que a investigação aberta sobre as reportagens trata de suposto crime contra a honra do delegado. “A Polícia Civil esclarece que a convocação mencionada se refere à apuração de uma suposta prática de crime contra a honra, registrada e formalmente representada pelo referido delegado contra o profissional, no âmbito da Divisão de Crimes Cibernéticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC)”, diz o comunicado.
“De acordo com a legislação vigente, uma vez comunicada a possível ocorrência de delito, cabe à autoridade policial adotar as providências legais cabíveis para a devida apuração dos fatos, observando o devido processo legal e os princípios que regem a investigação criminal”, concluiu a secretaria.
Entidades apontam censura e intimidação em inquérito contra jornalista
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou que é “inadmissível que o aparato policial do Estado seja utilizado nessas circunstâncias”. Para a entidade, a investigação “combina a criminalização da liberdade de imprensa com o uso do poder institucional de uma autoridade policial direcionado a um jornalista que fez uma reportagem sobre ele”.
“A Abraji enviou ofícios à Secretaria de Segurança Pública e ao Governo do Estado de São Paulo para obter explicações sobre o caso e manifestou como esta situação cria um ambiente intimidatório que afeta não somente o jornalista como toda a imprensa, atingida pelo efeito amedrontador dessa ação, e a sociedade que potencialmente perde o acesso a informações de interesse público”, diz o comunicado.
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiou “com firmeza a abertura de inquérito contra o jornalista Luiz Vassallo, do Metrópoles, por parte de um delegado que se sentiu incomodado com uma reportagem de interesse público”. A Fenaj também considera que o inquérito é uma “tentativa evidente de intimidação e censura, que agride frontalmente a liberdade de imprensa e o direito da sociedade à informação”.
“Em 2024, o Brasil registrou 144 casos de violência contra jornalistas – uma redução de 20% em relação ao ano anterior -, mas policiais militares/civis/órgãos de segurança pública figuram no ranking da FENAJ como o terceiro grupo principal de agressores de jornalistas no país, com 6,25% dos casos”, destacou a entidade.
“Episódios como este mostram que o uso do poder institucional para perseguir profissionais da imprensa ainda é uma prática preocupante. A democracia exige jornalismo livre e jornalistas respeitados”, acrescentou.