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Contraponto a extremistas

Por que o ambientalismo de Francisco foi muito diferente do de Greta Thunberg e grupos radicais

Papa Francisco e o meio ambiente
Diferente de ambientalistas radicais, Francisco propôs uma ecologia integral com base no cuidado, sem cair em extremos ideológicos (Foto: EFE/Giuseppe Lami)

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O papa Francisco, que faleceu na madrugada de segunda-feira (21) aos 88 anos, entrará para a história como o pontífice que mais tratou da preservação ambiental. Não que outros não tivessem abordado o assunto – seus próprios antecessores, João Paulo II e Bento XVI, falaram bastante sobre questões ambientais.

A defesa do meio ambiente encabeçada por Francisco, no entanto, segue uma direção bastante diferente da nova geração de ambientalistas radicais ligados à esquerda política.

Esses grupos, que foram personificados por ativistas como Greta Thunberg e por movimentos como Fridays for Future e Extinction Rebellion, veem na desobediência civil sua principal estratégia de pressão popular e lançam mão de um tom excessivamente agressivo contra opositores. Em paralelo, erguem uma série de outras bandeiras ideológicas, como o aborto e o antinatalismo.

Já o modo como o papa Francisco tratou do tema – tendo na encíclica ambiental Laudato Si’, publicada em 2015, seu principal marco – focou no reconhecimento de uma crise ambiental e social em que todos são convidados a agir, centrada no diálogo e sem espaço a radicalismos.

Pelo contrário: em meio a uma contundente defesa da natureza como obra divina, a “casa comum” de todos os seres vivos, o religioso trouxe uma série de contrapontos a extremismos e alertou para incoerências comuns entre ambientalistas radicais.

“Francisco teve essa preocupação de não entrar na polêmica diretamente ideológica, mas sim resgatar os aspectos do cuidado com o planeta vindos de diferentes setores no sentido de que o planeta, essa ‘casa comum’, não é nem de esquerda nem de direita, mas de todos”, explica o sacerdote Lucio Florio, professor na Universidad Católica Argentina (UCA) e presidente da fundação Diálogo entre Ciência e Religião.

Tese de Francisco não afagou nenhum grupo político

Uma leitura desatenta da encíclica Laudato Si’ pode levar à conclusão de que a tese agrada grupos alinhados à esquerda política. No documento Francisco defende, por exemplo, a justiça social e ambiental; critica o mercado por “criar um mecanismo consumista compulsivo para vender os seus produtos” e defende que a propriedade privada é legítima, mas não absoluta.

Por outro lado, não faltam olhos para as distorções do ambientalismo. A ideia de que o ser humano seria essencialmente danoso à natureza e que uma das soluções para os problemas do meio ambiente seria reduzir sua presença no planeta e impedir todo tipo de intervenção humana é rechaçada pelo ex-pontífice.

É dessa visão, classificada por Francisco como extrema, que provém o argumento da redução da natalidade, em especial a defesa do antinatalismo e do aborto para conter os danos ao planeta.

O religioso aborda diretamente a incoerência: “A defesa da natureza não é compatível com a justificação do aborto. Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis que nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá proteção a um embrião humano, ainda que a sua chegada seja causa de incômodos e dificuldades”, escreveu.

O papa considerava preocupante que alguns movimentos ecologistas defendessem a integridade do meio ambiente “sem aplicar esses mesmos princípios à vida humana”. Uma perspectiva desordenada sobre os problemas ambientais, na visão do religioso, poderia levar a um “biocentrismo” radical, que entende, por exemplo, que o ser humano não é mais importante do que outras formas de vida — como uma árvore, um peixe ou um rio.

Para Francisco, igualar o valor do ser humano aos demais seres vivos e “divinizar” a terra – concepções muito comuns no ambientalismo radical – são equivocadas e criam novos desequilíbrios. “Às vezes nota-se a obsessão de negar qualquer preeminência à pessoa humana, conduzindo-se uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora de defender igual dignidade entre os seres humanos”, questionou Francisco.

Papa Francisco em entrevistaNa contramão do ativismo combativo, Papa Francisco propôs caminho de diálogo e responsabilidade frente à crise ambiental (Foto: EFE/Giuseppe Lami)

Papa Francisco focou no conceito de “ecologia integral”

Apesar disso, o religioso fez fortes críticas ao consumismo excessivo e à relativização da preocupação com o meio ambiente, e tratou de questões como poluição, descarte incorreto de resíduos, desperdício de água, mudanças climáticas e perda de biodiversidade como consequência de ações humanas.

“Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos”, disse em sua encíclica. O religioso propôs a chamada "ecologia integral", em que o ser humano tem dignidade especial por se tratar de imagem e semelhança de Deus, mas deve exercer responsabilidade e cuidado, não domínio destrutivo. Nessa perspectiva, toda a criação é interligada: natureza, sociedade, cultura, economia e espiritualidade.

“Um extremo que o papa Francisco teve o cuidado de apontar é o de que todos os seres vivos seriam absolutamente iguais. Mas o outro extremo também é problemático: pensar que o ser humano é uma espécie de dominador, déspota de toda a criação, e que pode fazer com ela o que quiser”, diz Lucio Florio.

Na avaliação do sacerdote, Francisco teve sucesso ao responder à mudança de paradigma ambiental que ocorreu nas últimas décadas sem se basear em concepções extremas. “Ao percebermos que o planeta é limitado, há certas visões políticas, como os totalitarismos de esquerda ou o capitalismo extremo, que precisam ser questionadas. Porque agora não temos mais bens disponíveis de forma permanente – eles podem se esgotar e podem ser danificados, como está acontecendo”, declara.

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