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Editorial

O legado do papa Francisco

papa Francisco
O papa Francisco em foto de 2013. (Foto: Ettore Ferrari/EFE/EPA)

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Na madrugada desta segunda-feira, o papa Francisco faleceu em Roma, vítima de um AVC, de acordo com as informações oficiais fornecidas pelo Vaticano. O pontífice se recuperava de uma longa internação causada por graves problemas respiratórios e não havia presidido as celebrações da Semana Santa, o momento mais importante do calendário cristão, limitando-se a dar a bênção urbi et orbi no domingo de Páscoa e a circular, no papamóvel, pela Praça de São Pedro; antes disso, havia feito algumas poucas aparições públicas no Vaticano, e ido a uma prisão romana na Quinta-Feira Santa, repetindo um costume do seu pontificado.

Nenhum papa se limita ao papel de líder religioso; o chefe da Igreja Católica comanda uma denominação que reúne 1,4 bilhão de pessoas em todo o planeta. Ainda que nem todos os católicos sigam ao pé da letra a doutrina e as prescrições morais da Igreja, os pronunciamentos de um pontífice reverberam muito além dos confins da religião que ele lidera, especialmente quando fala de questões que dizem respeito a todos, independentemente da fé que professem ou deixem de professar. Neste sentido, o pontificado de Francisco deixa um legado importante em vários temas, que em alguns casos receberam do papa uma ênfase inédita.

Francisco se dispôs a enfrentar temas candentes da atualidade e, para todos eles, ofereceu perspectivas com sólidas raízes cristãs

Francisco entrará para a história, por exemplo, como o papa que mais tratou da preservação ambiental, e o fez por um ponto de vista que oferece um necessário e bem-vindo contraponto a um discurso mais associado à esquerda, e que muitas vezes absolutiza os demais seres vivos enquanto trata com desprezo o ser humano. Em sua encíclica ambiental, Laudato Si’, Francisco apontou a hipocrisia de quem diz defender o meio ambiente enquanto promove ideologias antinatalistas ou o aborto, lembrando que apenas o ser humano, longe de ser uma praga que assola o planeta, pode oferecer a solução para a crise ambiental, que é consequência de uma crise ainda mais profunda, diz o pontífice: uma crise moral. Com isso, Francisco ofereceu uma base sólida para um ambientalismo que poderia ser denominado “cristão” ou “conservador”, em linha com o que outros pensadores, como Roger Scruton, fizeram em termos mais seculares.

Talvez ainda mais importante que a questão ambiental, o combate à pobreza e demais situações de vulnerabilidade foi outra marca do pontificado de Francisco, que, ao ser eleito papa em 2013, escolheu este nome inspirado em São Francisco de Assis. Assim como João Paulo II havia cunhado o termo “cultura da morte” para se referir a tendências modernas como a expansão do acesso ao aborto e à eutanásia, Francisco frequentemente falava na “cultura do descarte”, que avalia as pessoas de acordo com sua “utilidade”, deixando de lado o nascituro, mas também o idoso e o doente. Outro grupo que mereceu atenção especial do papa foi o dos migrantes; tendo liderado a Igreja durante um tempo de tensões em relação a políticas migratórias no Ocidente rico, o papa pediu consideração especial para com as pessoas que deixavam tudo em seus países de origem, movidas pelo desespero. Mesmo reconhecendo o direito dos países a ter suas políticas migratórias, Francisco opôs-se a práticas que violavam a dignidade humana, como a separação de famílias ou deportações sem o devido processo legal.

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Mesmo que se possa discordar de alguma avaliação ou solução mais pontual proposta pelo papa, é inegável que Francisco se dispôs a enfrentar temas candentes da atualidade e, para todos eles, ofereceu perspectivas com sólidas raízes cristãs, com boas alternativas ao discurso predominante em vários setores da política e da opinião pública. Seu sucessor, que os cardeais da Igreja Católica escolherão daqui a algumas semanas, terá um ponto de partida bem estabelecido caso tenha as mesmas prioridades de Francisco, para que a Igreja Católica continue a ser uma voz relevante na sociedade global.

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