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O uso de corpos não reclamados não é a única forma das instituições de ensino conseguirem cadáveres para estudo. Comum em países desenvolvidos, onde chega a haver fila de espera, a doação de corpos em vida ainda não é uma prática no Brasil, mas começa a dar os primeiros passos e pode se transformar numa alternativa para solucionar o déficit de cadáveres para estudo, o que influencia na formação dos profissionais de saúde.

Apesar da doação ainda ser tímida, o Paraná é o primeiro estado a ir adiante. Desde 1998 funciona no estado a Comissão de Distribuição de Corpos para Estudo e Pesquisa, atualmente com 30 doadores cadastrados. A função da comissão, que é um grupo interuniversitário, é não só distribuir de forma igualitária os cadáveres entre as faculdades do estado, mas também conscientizar a população da importância de se doar o próprio corpo em vida para pesquisa.

Ao que tudo indica, no ano que vem a comissão deve se tornar o Conselho Estadual de Distribuição de Cadáveres. Sob a fiscalização do Ministério Público Estadual, o conselho será gerenciado pela Secretaria Estadual de Ensino Superior, Ciência e Tecnologia e beneficiará aproximadamente 5 mil estudantes – além dos acadêmicos de Medicina, os de Enfermagem, Odontologia, Farmácia, Educação Física, entre outros. O projeto de lei para a criação do conselho foi aprovado na Assembléia há dois meses e aguarda sanção do governador Roberto Requião.

Só no Paraná, explica o médico cirurgião José Geraldo Auerswald Calomeno, presidente da comissão e professor de Anatomia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a média nos sete cursos de Medicina é de 50 estudantes por corpo, quando o recomendável seria de cinco a dez. Sem contar os outros cursos que precisam de cadáveres para estudo. "Por causa dessa falta de corpos, o estudo de Anatomia está nivelado por baixo", alerta o médico. Calomeno diz que, apesar de todo o avanço da tecnologia (as faculdades utilizam hoje bonecos e programas de computador em três dimensões), nada substitui o corpo humano no estudo de anatomia.

O representante da Faculdade Evangélica na comissão, o economista e coordenador da Gestão Administrativa da instituição de ensino, Juarez Garzuze dos Santos, afirma que, por conta dos poucos cadáveres, as faculdades correm o risco de extrapolar as horas-aulas previstas pelo Ministério da Educação. "Na Evangélica não temos problemas porque quebramos a cabeça para montar escalas de aula com a média de seis a oito alunos por cadáver", explica.

Agilidade

Calomeno argumenta que a doação em vida é um processo rápido e sem custos para as instituições conseguirem cadáver para estudo. A explicação está no fato de o corpo doado ir imediatamente à instituição de ensino, enquanto que no caso de corpos não reclamados deve-se aguardar 30 dias, além de cumprir uma série de procedimentos. Conforme prevê a lei 8.501, primeiro, o cadáver deve estar identificado no Instituto Médico Legal (IML). Antes de ser doado, a instituição interessada no cadáver é obrigada a inserir dez anúncios em jornais de grande circulação, sempre em dias alternados, procurando a família. Passado esse prazo e feitos os anúncios, o caso vai para a avaliação de um juiz.

Na doação em vida, o cadáver vai imediatamente para a instituição de ensino. Foi o que aconteceu com o corpo do comerciante Alaor Natálio – o caso que inspirou a criação da comissão (ver texto ao lado). No começo de 1998, Natálio, então com 65 anos, avisou os filhos que havia escrito uma carta relatando o desejo de ter o corpo doado a uma universidade quando morresse.

Após passar pelos trâmites burocráticos, o corpo de seu Alaor foi encaminhado ao Departamento de Anatomia da UFPR um dia após sua morte, em 1.º de julho daquele ano, e lá permanece até hoje. Após ser utilizado para estudo por seis anos, agora tanto a UFPR quanto a família Natálio aguardam decisão judicial para concretizar de vez o desejo de seu Alaor, de transformar os ossos num esqueleto para exposição a estudantes. "Sinto um orgulho muito grande de meu pai por saber que mesmo morto ele continua ajudando outras pessoas", enfatiza um dos oito filhos de seu Alaor, o contador Ataíde Natálio, 51 anos.

Serviço: Informações sobre doações de corpos para instituições de ensino podem ser obtidas na Comissão de Distribuição de Corpos para Estudo e Pesquisa no telefone (041) 3361-1775 ou pelo endereço eletrônico cdc@ufpr.br.

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