
O terreno na esquina da Rua Gabriel de Lara com a Santos Dumont, em Guaratuba, no Litoral do Paraná, hoje só é ocupado por algumas árvores. Aquele era o endereço do Edifício Atlântico, que desabou há 20 anos, matando 29 pessoas. Quem tinha apartamento no imóvel ainda hoje recebe a cobrança de IPTU, como se o prédio estivesse em pé. Por não pagarem o imposto, três proprietários tiveram penhorados os apartamentos que não existem mais.
INFOGRÁFICO: Veja os documentos da cobrança do IPTU
A arquiteta Polliana Pundek ainda recebe os carnês emitidos pela prefeitura de Guaratuba, que especificam tratar do apartamento n.º 12 e da garagem n.º 15 do Atlântico. Ela estava no imóvel, quando o prédio veio abaixo. Sobreviveu, mas perdeu pai, mãe e um irmão na tragédia. Receber os boletos é reviver um trauma. "Cada vez que eu leio 'apartamento 12' lembro que ele não existe mais. É um absurdo, um desrespeito", desabafa.
Depois do desastre, Polliana nunca pagou o IPTU do prédio. A advogada dela estima que a dívida já passe de R$ 15,2 mil. Ela já foi notificada da execução fiscal de três períodos. Pior: conforme consta da matrícula do imóvel, a prefeitura de Guaratuba penhorou o apartamento que desabou há 20 anos.
"Com a penhora, o município pode destinar o apartamento para leilão. Com o dinheiro obtido, a dívida seria paga. Agora, imagine leiloar um apartamento que não existe", diz a advogada Marina Macedo, que representa Polliana.
Outro imóvel penhorado é o apartamento 32, que pertencia ao então prefeito de Tomazina, Ivaldo Alves da Costa, e que morreu no desabamento ao lado da mulher, filhos e outros familiares. O único sobrevivente da família, Guilherme Saliba Costa, hoje com 36 anos,nem sequer sabia das dívidas de IPTU e da penhora. "Foi uma falta de noção administrativa da prefeitura da época. Quem não sabe que o imóvel não existe mais? É público e notório. Foi o maior desastre da história da cidade", aponta Saliba Costa, que hoje é prefeito de Tomazina. O outro apartamento penhorado pertence à empresa Toaldo & Toaldo.
Um levantamento feito pela Gazeta do Povo nas matrículas dos imóveis indica que, em 2014, outras duas famílias não pagaram o IPTU do Edifício Atlântico. Sete recolheram o tributo normalmente e quatro não foram localizadas.
Na Justiça
Polliana recorre na Justiça das cobranças de IPTU e da penhora do imóvel. Entre outros pontos, a advogada dela argumenta que as pessoas que tinham unidades no Atlântico deixaram de exercer a propriedade do imóvel. "O prédio não existe há 20 anos. Isso quer dizer que ninguém, nenhum dos proprietários, usa, goza, dispõe ou protege o bem", resume Marina Macedo.
Trauma
Vizinhos do prédio evitam falar sobre o desabamento
Débora Mariotto Alves, especial para a Gazeta do Povo
Os moradores do entorno do Edifício Atlântico ainda se sentem incomodados em falar sobre o desabamento do prédio. Várias pessoas se recusaram a conversar com a reportagem sobre o assunto, incluindo moradores e veranistas que passam pela região onde hoje só existe um terreno baldio.
Uma exceção é Paulo Vitor Sachs, que mora em Curitiba. "Tenho 59 anos e sempre passei a temporada aqui em Guaratuba. Estava vindo da casa da minha irmã [no dia em que o Atlântico ruiu] quando ouvi um estalo e vi o prédio rachando e descendo, como em uma implosão", relembra. Naquele fatídico 28 de janeiro de 1995 ele chegou a abrir as portas de sua casa para servir café aos sobreviventes e familiares que chegavam por ali.



