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O terreno onde ficava o Edifício Atlântico, em Guaratuba, hoje é ocupado por algumas poucas árvores | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
O terreno onde ficava o Edifício Atlântico, em Guaratuba, hoje é ocupado por algumas poucas árvores| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Proposta

Sobreviventes defendem destinação social para o terreno

Nos últimos 20 anos, o terreno de 960 metros quadrados onde ficava o Edifício Atlântico permaneceu ocioso. Sob o estigma da tragédia, nunca houve interessados em comprá-lo e construir algo ali. Além das lembranças ruins, o espaço gera dívidas aos proprietários.

"Ficou um grande trauma. Nenhum dos que tinha apartamento cogitou em ficar com o terreno. É uma dor. Particularmente, eu gostaria que esse imóvel fosse desapropriado e destinado a um prédio público, uma praça ou uma creche", diz o procurador de Justiça Hélio Lewin, que escapou do desabamento.

Bom senso

Na avaliação da advogada Marina Macedo, a destinação pública do imóvel seria a melhor saída e uma questão de bom senso. "O terreno deixou de ser um problema imobiliário para se tornar um problema social. Nenhum particular vai querer construir sobre uma área que carrega o peso desta tragédia."

Guilherme Saliba Costa chegou a sugerir a desapropriação da área. "Há bastante tempo fui a Guaratuba e tentei que a prefeitura fizesse algum projeto de um museu ou praça. Aquele terreno só tem valor se for para a prefeitura", conclui.

Outro lado

Prefeitura diz que cobra o IPTU somente do terreno

Por meio de nota, a prefeitura de Guaratuba explicou que cobra somente o IPTU do terreno onde ficava o Edifício Atlântico. O imposto, conforme o município, é dividido proporcionalmente entre os proprietários das antigas unidades.

Matrículas

Apesar de o desabamento do prédio ter sido um fato público, a prefeitura diz que seria preciso que os proprietários alterassem as matrículas imobiliárias, o que não foi feito. Por isso, os carnês são emitidos com os números do apartamento.

"Tal identificação não importa dizer que se está tributando o apartamento ou a garagem já inexistentes, mas somente que essa é a identificação desta unidade imobiliária", informa um trecho da nota.

Penhoras

A prefeitura, no entanto, não esclareceu sobre as penhoras. A assessoria de imprensa disse que é impossível prestar esclarecimentos "em tão curto período de tempo", tendo que vista que Guaratuba possui aproximadamente 70 mil ações executivas fiscais em trâmite.

O terreno na esquina da Rua Gabriel de Lara com a Santos Dumont, em Guaratuba, no Litoral do Paraná, hoje só é ocupado por algumas árvores. Aquele era o endereço do Edifício Atlântico, que desabou há 20 anos, matando 29 pessoas. Quem tinha apartamento no imóvel ainda hoje recebe a cobrança de IPTU, como se o prédio estivesse em pé. Por não pagarem o imposto, três proprietários tiveram penhorados os apartamentos que não existem mais.

INFOGRÁFICO: Veja os documentos da cobrança do IPTU

A arquiteta Polliana Pundek ainda recebe os carnês emitidos pela prefeitura de Guaratuba, que especificam tratar do apartamento n.º 12 e da garagem n.º 15 do Atlântico. Ela estava no imóvel, quando o prédio veio abaixo. Sobreviveu, mas perdeu pai, mãe e um irmão na tragédia. Receber os boletos é reviver um trauma. "Cada vez que eu leio 'apartamento 12' lembro que ele não existe mais. É um absurdo, um desrespeito", desabafa.

Depois do desastre, Polliana nunca pagou o IPTU do prédio. A advogada dela estima que a dívida já passe de R$ 15,2 mil. Ela já foi notificada da execução fiscal de três períodos. Pior: conforme consta da matrícula do imóvel, a prefeitura de Guaratuba penhorou o apartamento que desabou há 20 anos.

"Com a penhora, o município pode destinar o apartamento para leilão. Com o dinheiro obtido, a dívida seria paga. Agora, imagine leiloar um apartamento que não existe", diz a advogada Marina Macedo, que representa Polliana.

Outro imóvel penhorado é o apartamento 32, que pertencia ao então prefeito de Tomazina, Ivaldo Alves da Costa, e que morreu no desabamento ao lado da mulher, filhos e outros familiares. O único sobrevivente da família, Guilherme Saliba Costa, hoje com 36 anos,nem sequer sabia das dívidas de IPTU e da penhora. "Foi uma falta de noção administrativa da prefeitura da época. Quem não sabe que o imóvel não existe mais? É público e notório. Foi o maior desastre da história da cidade", aponta Saliba Costa, que hoje é prefeito de Tomazina. O outro apartamento penhorado pertence à empresa Toaldo & Toaldo.

Um levantamento feito pela Gazeta do Povo nas matrículas dos imóveis indica que, em 2014, outras duas famílias não pagaram o IPTU do Edifício Atlântico. Sete recolheram o tributo normalmente e quatro não foram localizadas.

Na Justiça

Polliana recorre na Justiça das cobranças de IPTU e da penhora do imóvel. Entre outros pontos, a advogada dela argumenta que as pessoas que tinham unidades no Atlântico deixaram de exercer a propriedade do imóvel. "O prédio não existe há 20 anos. Isso quer dizer que ninguém, nenhum dos proprietários, usa, goza, dispõe ou protege o bem", resume Marina Macedo.

Trauma

Vizinhos do prédio evitam falar sobre o desabamento

Débora Mariotto Alves, especial para a Gazeta do Povo

Os moradores do entorno do Edifício Atlântico ainda se sentem incomodados em falar sobre o desabamento do prédio. Várias pessoas se recusaram a conversar com a reportagem sobre o assunto, incluindo moradores e veranistas que passam pela região onde hoje só existe um terreno baldio.

Uma exceção é Paulo Vitor Sachs, que mora em Curitiba. "Tenho 59 anos e sempre passei a temporada aqui em Guaratuba. Estava vindo da casa da minha irmã [no dia em que o Atlântico ruiu] quando ouvi um estalo e vi o prédio rachando e descendo, como em uma implosão", relembra. Naquele fatídico 28 de janeiro de 1995 ele chegou a abrir as portas de sua casa para servir café aos sobreviventes e familiares que chegavam por ali.

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