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Um personagem azul-marinho incorporou-se de vez à paisagem urbana do Brasil de duas décadas para cá. Armados ou não, os guardas municipais estão presentes em 950 cidades. Mas qual é o papel deles na estrutura da segurança pública? Eles têm poder de polícia? Podem prender? Três episódios ocorridos no período de um mês no Paraná afetam a imagem da Guarda Municipal no momento em que o Senado estuda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ampliando os poderes da corporação, tornando-a de fato uma polícia municipal. São acusações de agressão a homossexuais e moradores de rua em Curitiba e de "limpeza social" em Paranaguá.

Na capital, outros 10 guardas municipais estão respondendo a processo administrativo por agir fora das regras, há um ano, no Parque Náutico do Iguaçu. Usaram poder de polícia de trânsito para cobrar documentos de motoristas e deslocar um veículo para a delegacia. O caso está sendo julgado pela Procuradoria Geral de Curitiba. Isso decorre da falta de regulamentação específica das atribuições da Guarda, que induz ao questionamento da sua atuação no trânsito, no policiamento preventivo, na abordagem ao cidadão em atitude suspeita. Vigora no senso comum a imagem da corporação como guardiã do patrimônio público. E só.

Aprovada há dois meses pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a PEC 534, do senador Romeu Tuma (PFL), se propõe a eliminar muitos desses conflitos, pois define a competência das guardas para além de proteger os bens, serviços e instalações públicas. "Passaria a cuidar também da segurança do cidadão", diz o coordenador do Departamento Jurídico da União Nacional dos Guardas Civis Municipais (UNGCM), o advogado Osmar Ventris. As novas atribuições acabariam, ainda, com os conflitos de competência, como o caso dos guardas que estão prestes a ser punidos por atuarem como polícia de trânsito.

Ventris diz não existir hierarquia entre poderes de polícia, quer sejam fiscais, guardas, policiais civis, militares ou das Forças Armadas. O poder de polícia é exatamente igual para todos. "Cada uma age na sua esfera de atuação, o que diferencia uma da outra é a competência", explica. Ele recorre ao jurista Dalmo Dallari, que no seu livro A Policia à Luz do Direito critica a idéia de que tudo que é federal é superior ao estadual, assim como este é superior ao municipal. "Isso é essencialmente errado, porque na organização federativa não há hierarquia."

Para ele, a omissão histórica dos municípios na segurança pública é uma das causas do aumento da criminalidade. Gerações de prefeitos acostumaram-se a interpretar a Constituição Federal de forma a escapar dessa obrigação, passando a conta para o estado. Estes, centrados nas capitais, preocupam-se mais com os grandes centros, ainda assim com importância apenas relativa para o setor. Dessa forma, diz Ventris, as cidades têm poucos policiais e o Judiciário sobrecarregado produz uma justiça morosa e cara, gerando a sensação de despoliciamento e impunidade.

As coisas começaram a mudar há pouco mais de 15 anos. O avanço da criminalidade levou muitos prefeitos a bater na porta dos governadores em busca de mais policiais, voltando de mãos vazias na maioria das vezes. Mas a pressão popular por uma melhor segurança fez a classe política passar essa responsabilidade também para as prefeituras. Assim começaram a surgir cada vez mais guardas municipais como alternativa de segurança ao cidadão.

Ventris vê no guarda mais vínculos com a cidade. "Ao contrário de outras instituições que nasceram da necessidade de proteger os governantes, os interesses do estado, das oligarquias", diz. Mais tarde, continua ele, sob influência da doutrina da segurança nacional a polícia passou a ver o cidadão que discordava do sistema como um inimigo a ser combatido. "Daí a atividade policial ser vista como ‘combate’ ao crime, ou ‘guerra contra o crime’, ao invés de um serviço público de preservação ou restauração da ordem pública e manutenção da segurança."

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam 950 guardas municipais no país em 2004 (15% com armas). O secretário geral do Conselho Nacional das Guardas Municipais, Sérgio França, diz que a informação está superestimada e, na verdade, o número real ficaria em torno de 600. Essa diferença de um terço, diz, ocorre porque muitas foram criadas por decreto, funcionam de forma precária, ou porque as prefeituras informam a existência da guarda quando na verdade só têm um corpo de vigilância. "Isso mascara a pesquisa do IBGE".

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