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A remoção dos últimos detentos do presídio do Ahú, na terça-feira passada, marcou o fim de uma era: cem anos de história, penitenciária mais famosa do estado, referência geográfica de Curitiba, edificação imponente no meio de uma região marcadamente residencial.

O rescaldo de seu fim se resume a fotos de mulheres peladas nas paredes das celas, cuecas penduradas em varais improvisados, chuveiros feitos de garrafas pet, panelas e utensílios domésticos abandonados, televisores, velhos beliches de madeira, adesivos e mensagens de times de futebol, baralhos artesanais (feitos de carteiras de cigarro) e roupas e pertences de presos embalados, à disposição da família. Eram as "armas" usadas pelos presos para tocar a vida trancafiada. O novo Centro Judiciário de Curitiba que será construído no local vai preservar o pavilhão histórico e terá um museu penitenciário – a idéia é manter intactas duas das seis galerias e celas, no segundo andar.

A Prisão Provisória de Curitiba (o nome oficial do Ahú) foi criada para substituir as antigas masmorras da capital. Abrigou bandidos perigosos e também presos políticos do regime militar pós-1964. O lugar foi considerado o marco zero do sistema penitenciário estadual. Quando se fala no assunto, foi lá que tudo começou, inclusive a idéia de ressocialização dos presos, conta o sociólogo Alcione Prá, funcionário do Departamento Penitenciário, que pesquisa há mais de 20 anos a história do sistema estadual e tem um livro pronto (e não publicado) sobre o Ahú.

O "casão" do Ahú abriu as portas em 5 de janeiro de 1909, num prédio que inicialmente serviria de hospício. De acordo com o historiador Ernani Costa Straube, 77 anos, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, o primeiro nome do presídio foi Penitenciária de Curitiba. "Pouca gente sabe, mas a Avenida Anita Garibaldi se chamava Avenida da Penitenciária até 1950. A mudança ocorreu com a inauguração da Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara", lembra.

Nem só de penitência é marcada a história do Ahú. Segundo Prá, foi da tipografia do presídio que saíram os primeiros impressos do governo estadual, em 1910. "Já a sapataria e a alfaiataria faziam os coturnos e uniformes da polícia", diz. "Os primeiros presos seguiam o regime Auburn – trabalho em silêncio durante o dia e se recolhiam à noite, semelhante ao que ocorria na época numa penitenciária no entorno de Nova Iorque, nos Estados Unidos."

O Ahú terminou por se misturar com a história do bairro. O vizinho imponente teve momentos de convivência pacífica. O aposentado Rosaldo Luiz Wille chegou a jogar futebol de salão com os detentos.

"O que dá dó é ver tudo isso parado. Trabalhei 20 anos aqui, a metade da minha vida", diz um agente, de 43 anos, que pediu anonimato. Adib Tuffi Júnior, funcionário da casa por 22 anos e diretor nos últimos seis meses, vai guardar os momentos mais tensos: "Levo comigo as marcas de duas rebeliões, nos anos de 1993 e 2000".

Apesar dos conflitos ao longo da história, o presídio teve um fim calmo. "Encerramos as atividades com 900 presos e sem nenhum problema", afirma, orgulhoso, Carlos Alberto Pereira, chefe de segurança no local nos últimos dois anos e meio.

Já os comerciantes da região estão preocupados com a segurança, uma vez que o intenso entra-e- sai de policiais e agentes vai diminuir. Glória Kaniak, da Lotérica Skala Garibaldi, pensa em contratar um segurança particular para cobrir a "falta" dos oficiais.

Visitas

O prédio histórico será aberto à visitação pública a partir desta semana, no horário comercial. Os pertences dos detentos do Ahú ficarão à disposição dos familiares, a partir de amanhã, na administração da unidade. Os detentos foram transferidos para penitenciárias de Piraquara e de São José dos Pinhais. Por enquanto, parte do prédio ainda abriga o escritório do Departamento Penitenciário (Depen) do Paraná, a Penitenciária Feminina de Regime Semi-aberto e o COT (Centro de Observação e Triagem Criminológica).

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