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María del Carmen acredita que exemplo peruano também serve para o Brasil | Divulgação
María del Carmen acredita que exemplo peruano também serve para o Brasil| Foto: Divulgação

A história das ocupações irregulares no Peru se deu de maneira diferente que no Brasil. Lá, as terras invadidas pertenciam principalmente ao Estado e, na América Latina de um modo geral, a maioria das irregularidades não existiu por ocupação ilegal, mas sim porque a população fez subdivisões de terras sem permissão ou edificações sem autorização. "O problema também atingiu as heranças que não foram bem divididas, as cadernetas de transferência não escritas no registro de imóvel ou por duplicidade de direitos escritos no registro", afirma a gerente do Instituto de Liberdade e Democracia do Peru (IDL), María del Carmen Delgado Menéndez.

O instituto teve papel importante no Peru desde a década de 80, quando se juntou ao governo para encontrar uma maneira de agilizar a regularização fundiária urbana. Sob o comando atual do presidente Hernando de Soto, economista de renome na área, o ILD ajudou na época cerca de 8 mi­­­­lhões de peruanos que estavam abai­­­­xo da linha de pobreza a se converter em proprietários de terras. Foram cerca de 1,7 milhão de títulos concedidos. A experiência que deu certo lá, segundo María, pode servir perfeitamente em países como Egito, Tanzânia, Etiópia, Filipinas, Haiti, El Salvador e Bra­­­sil. Em entrevista concedida por e-mail à Gazeta do Povo, ela conta um pouco do projeto peruano.

Qual foi o novo olhar lançado para a regularização fundiária?

Uma das principais razões para que as políticas públicas dos governos não deem certo é porque as pessoas veem a titulação como um projeto a ser resolvido de ma­­­neira isolada, sem ter presente que ele deve fazer parte de um processo integral dirigido a outorgar direitos de propriedade claros. Consideramos que a formação da propriedade não é somente uma seguridade legal aos seus titulares, mas também uma identidade que converte os indivíduos em potenciais sujeitos de crédito.

O que isso significa?

Acreditamos que estas pessoas precisam ter disponíveis, além do título de propriedade, várias opções para conseguir um crédito financeiro, principalmente para os que desejam expandir um negó­­­cio. A titulação e o registro são apenas o primeiro passo. Como estabelece o informe final da Comissão para o Empode­­­ramento Legal dos Pobres, apresentado em junho de 2008, o objetivo final da capitalização dos ativos prediais é "acrescentar uma dimensão econômica que permita (aos titulares) – se assim quiserem – usar a representação legal de suas propriedades não apenas para proteger seus direitos, mas também para gerar múltiplas funções econômicas. Essas funções vão mais além da posse, devem vincular seus ativos ao mercado e ao mundo financeiro.

Tornar o indivíduo um potencial cidadão com acesso à economia resolve o problema?

Na verdade, é preciso ter em conta que o que realmente importa é que esta população mais pobre adquiriu moradias por diferentes vias extralegais pela ausência de alternativas legais. E o problema persiste porque os governos se preocupam em titular, mas não se ocupam em dar alternativas legais de aquisição para os mais pobres, que aumentam a cada dia. Tam­­­bém não há uma preocupação em dar incentivos para que esta população permaneça na legalidade. Pelo contrário, cada dia complicam e encarecem os mecanismos e procedimentos para que as transações e edificações se façam dentro da formalidade.

A burocracia jurídica para regularizar terras é um dos fatores que torna o processo tão vagaroso e oneroso no Brasil. O que o Peru fez para acabar com isso?

Criou um sistema de registro predial dirigido a estabelecer mecanismos institucionais simplificados e de baixo custo para a formalização da propriedade. Entre algumas mudanças, foi feito um estudo profundo sobre as ocupações irregulares e os obstáculos para sua formalização. No fim da década de 80, o governo peruano fez uma reforma para tentar estabelecer, na verdade, mecanismos legais para lutar contra a pobreza no país, democratizar o acesso ao crédito e contribuir com a pacificação. Organizamos cerimônias para entregar os títulos a beneficiados com a presença do Estado e de autoridades políticas.

Houve políticas públicas pontuais?

A regularização, antes, demorava 20 anos para ocorrer e tinha ao menos 728 questões burocráticas para passar. A facilidade se deu quando foram criadas maneiras de se provar o tempo de moradia da família no local a partir de práticas da comunidade, que eram reconhecidas pela maioria da população, mas não juridicamente. Baixamos em 98% os custos e o processo todo acaba em apenas dois meses. Também nos preocupamos em educar os microempresários que vivem nessas localidades, cujos imóveis foram regularizados por essa política, a obter o crédito formal quando necessário, a saber quais tipos de crédito teriam acesso e as diversas maneiras de obtê-los.

Quais são os resultados?

A população passou a ter acesso a serviços de saneamento básico, teve reduzidas as distâncias com vias de transporte adequadas e centros sociais. Elas pouparam 200 milhões de dólares que precisariam ser gastos em custos burocráticos. Diminui-se as diferenças de gênero (entre homem e mulher), e o trabalho infantil nessas áreas foi reduzido em 28%.

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