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O governo aumentou a rigidez no processo de regularização das terras remanescentes de comunidades negras tradicionais, os quilombos. O texto da nova Instrução Normativa que disciplina o setor, já aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou mais difícil a abertura do processo, com a exigência de um laudo de antropólogos sem vínculos com os interessados e as etapas seguintes, obrigando consultas a órgãos ambientais, indígenas e, se for o caso, até militares.

A partir das novas regras, não basta um grupo de pessoas se identificar como descendente de antigos ocupantes das terras para iniciar o processo. Disposto a evitar conflito com o movimento negro, o governo diz que o mecanismo da "autodeclaração" permanece na etapa inicial. O processo, na prática, só começa, porém, com um certificado emitido pela Fundação Cultural Palmares, preparado por antropólogos. Depois, diversos órgãos públicos deverão ser consultados, como o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Setores militares também poderão apresentar parecer se a área reivindicada for considerada de interesse de alguma das três forças.

A publicação do despacho de Lula com o texto da Instrução Normativa número 21, que detalha o decreto 4887/03, sobre critérios de regularização de áreas quilombolas, deveria ter sido publicada hoje (30) no "Diário Oficial" da União. O governo inclusive tinha preparado uma entrevista coletiva para explicar as novas regras. Um inesperado ataque do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ontem (29) adiou o anúncio do despacho O governo, no entanto, deixa claro que não haverá mudança no texto, que deverá ser divulgado assim que acabar a divergência entre os dois órgãos.

Acusado por Minc de montar assentamentos que devastam a floresta amazônica - motivo da divergência -, o Incra também perderá força no processo de demarcação de áreas quilombolas. Atualmente, as superintendências do Incra praticamente atuam sozinhas em quase todo o processo. Além de ser alvo dos ruralistas, o órgão enfrenta críticas dentro do próprio governo por disputar áreas com a Funai e o Ibama, entregando para supostos quilombolas terras que seriam de índios ou de preservação ambiental.

Setores do movimento negro que participaram da fase de consultas reclamaram que o processo ficou mais lento e burocrático, o que atenderia a interesses do agronegócio. Nas conversas com o presidente Lula e com ministros do governo, o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, argumentou, porém, que a nova norma torna mais objetivo o pedido de demarcação e acaba com a confusão nas etapas finais do processo. Toffoli e os técnicos que participaram da elaboração da Instrução Normativa dizem que agora o processo, ainda que lento na fase inicial, terá bases jurídicas e dará segurança à política de demarcação de quilombos. Isso, segundo eles, acabará com uma série de argumentos dos ruralistas e dos setores militares.

Nas contas de entidades da área de direitos humanos existem mais de cinco mil áreas remanescentes de quilombos. Em julho do ano passado, o Planalto encarregou a Advocacia-Geral da União (AGU) de acabar com o mecanismo da "autodeclaração", sem causar conflito com a Secretaria de Igualdade e Promoção Racial, pasta que reúne representantes do movimento negro. Não faltavam queixas do gabinete de Segurança Institucional, do Ministério da Defesa e de parlamentares ligados ao agronegócio.

A AGU enviou ao Planalto um texto que dará base à Instrução Normativa. Das nove sugestões acatadas por Lula, quatro não tiveram consenso de representantes do movimento negro, como o conceito de terras ocupadas, a certificação emitida pela Fundação Palmares, o esvaziamento da "autodeclaração", a consulta ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes nos casos de áreas de preservação ambiental e, por último, a exigência de um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação com perguntas sobre viabilidade econômica e social.

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