O professor brasileiro é mal remunerado, trabalha em condições precárias e tem autoestima baixa. Já faz parte do senso comum que esses fatores influenciam na baixa qualidade de ensino oferecido pelas escolas brasileiras. A educadora Tânia Zagury, mestre em Educação e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esteve ontem em Curitiba, no Teatro Guaíra, e falou sobre o assunto para uma plateia formada por mais de 2 mil professores e educadores. Tânia tem mais de 40 anos de experiência em sala de aula, é autora de diversos livros na área de educação e, na sua publicação mais recente, O Professor Refém, mostra o resultado de uma pesquisa realizada com 2 mil professores em 42 cidades brasileiras. Uma das coisas que mais chamou a atenção da educadora é que os professores não se veem mais com olhos de confiança e esperança.
"Temos uma defasagem de pelo menos 25 anos para corrigir. Isso não ocorre da noite para o dia. É preciso vontade política verdadeira para mudar. É necessário separar a política partidária da educação. Isso vem acontecendo ano após ano. Chega de cada político querer colocar a sua marca na educação. É preciso dar continuidade naquilo que está dando certo", afirma. Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo.
Em sua opinião, o trabalho do professor não pode sofrer influência externa?
Até certo ponto. Para fixar a base do trabalho sim. Considero que nenhuma outra profissão receba tanta interferência direta na maneira de agir. De certa forma essa interferência mostra a falta de confiança por parte da sociedade na capacidade do professor de trabalhar adequadamente.
As avaliações externas de verificação de qualidade, como o Ideb e Enem, seriam também um tipo de interferência?
Não. As avaliações externas foram o primeiro passo para se ter de fato uma medida importante, para se tirar o pulso da educação. Para sabermos o quão doente ou saudável está nossa educação e para onde estamos caminhando.
Alguns governantes usam esses índices para premiar bons professores. Você concorda com a política de meritocracia?
A meritocracia é importante em qualquer profissão. Um profissional que trabalha muito bem, que tem resultados maravilhosos e não é reconhecido, vai paulatinamente ficando desestimulado. A meritocracia é positiva porque estimula as pessoas a melhorar o seu desempenho. Mas ainda não é o momento para se colocar esta questão para o professor brasileiro.
Por quê?
Porque se o ensino hoje está ruim é devido a uma série de medidas equivocadas que foram tomadas ao longo das últimas quatro décadas. Se há uma série de fatores externos atuando sobre a escola que resultam num ensino de má qualidade, não há lógica em premiar um professor que se sai um pouco melhor. É preciso corrigir a base do problema da educação.
E qual seria esta base?
É formada por vários fatores. Estamos numa bola de neve. O professor que atua em sala de aula foi mal formado desde a educação básica. É um ciclo vicioso. Além disso, a remuneração do professor foi caindo cada vez mais. Ainda temos professor no Brasil que ganha R$ 300 por mês. A meritocracia será ideal quando todos os professores estiverem recebendo um salário decente. As empresas fazem isso e não é feio aplicar na área de educação. O problema é que a sociedade ainda considera que o professor é quase que um sacerdote e trabalha por amor. Mas ninguém alimenta seus filhos só com amor, é preciso ter comida.
Muitos especialistas e o governo apontam que o gargalo da educação brasileira está no ensino médio. É isso mesmo?
O nó da educação está do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental. Nossos alunos não estão dominando a leitura no 5.º ano. Apenas lendo de maneira rudimentar. Se numa fábrica de carros, os carros saem e dão problema, eles retornam para consertar. Na escola isso não ocorre.
Como você avalia o sistema de progressão continuada?
Como um fracasso. Neste estudo que fiz e mostro no livro, 95% eram contra o sistema de ciclos com progressão continuada (que não admite reprovação de alunos com baixo rendimento escolar) porque não sabiam exatamente do que se tratava. Então como é que o gestor toma uma medida sem treinar o professor? A progressão continuada funcionou como aprovação automática. A assistência ao aluno com baixo rendimento nunca ocorreu.
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