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Entrevista

“Quanto antes planejarmos a Copa, maior será o legado”

Walter Alberto Schause, diretor comercial da Perkons

“Acho que a Copa foi para a África do Sul no momento certo. Também virá para o Brasil em um excelente momento” | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
“Acho que a Copa foi para a África do Sul no momento certo. Também virá para o Brasil em um excelente momento” (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

De 26 de julho a 2 de agosto, Walter Alberto Schause, diretor comercial da Perkons Mobilidade e Segurança no Trânsito, visitou a África do Sul em uma missão da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP). O objetivo da viagem era conhecer as lições aprendidas pelo governo e cidades sul-africanas depois da experiência com a Copa das Con­federações, realizada em junho deste ano, e a menos de um ano pa­­ra a Copa do Mundo de 2010. A comissão visitou quatro cidades: Joanesburgo, Pretória, Cidade do Cabo e Durban. O que se viu, em termos de transporte coletivo, foi o atraso em relação a algumas cidades brasileiras, como Curitiba. O principal investimento em transporte público nessas sedes foram ônibus em canaletas exclusivas, semelhante ao sistema do biarticulado na capital. Além das dificuldades urbanísticas, o país ainda sofre as sequelas do Apartheid, regime de segregação que perdurou por 46 anos no país, de 1948 a 1994.

Quais foram as impressões da África do Sul?

Os estádios são espetaculares, lindos de morrer. Não há nada semelhante no Brasil. E vão ficar prontos no tempo certo. O aeroporto de Joanesburgo é fantástico. Não há, no Brasil, nada parecido. Um su­­percartão postal. Vias de acesso muito boas, feitas especialmente para a Copa. O principal problema é a mobilidade. Tiveram problemas na Copa das Confederações e vão ter na Copa do Mundo.

Quais são esses problemas?

A África do Sul não tem transporte coletivo. Tem alguma coisa de trem, pouquíssimo de ônibus e 90% de peruas, trabalhando completamente informais. As peruas foram criadas na época do Apar­theid para suprir a necessidade da população. Eles estão implantando, para a Copa, um sistema de ônibus semelhante ao do expresso, em Curitiba. Aliás, foi inspirado aqui. Mas eles estão com uma dificuldade enorme em fazer isso.

Em que pontos houve erro na organização?

A postergação ficou clara. Eles adiaram ao máximo as obras. Há um comitê para a Copa, mas são as mesmas pessoas que cuidam do trânsito nas cidades. E as obras ficaram para a última hora. Também houve discussão de quem deveria fazer as obras e, principalmente, quem deveria pagar. Não havia consenso de que a cidade também deveria investir. A Cidade do Cabo argumentava que quem trouxe a Copa foi o governo federal e, portanto, deveria investir. E, como o governo federal demorou para liberar a verba, as mudanças começaram há apenas um ano. O metrô de Johannesburgo, por exemplo, está aos pedaços. Não vai ficar pronto até a Copa.

Qual foi a principal lição da missão?

Quanto antes começar o planejamento, maior será o legado. Se deixar para última hora, tudo acaba no improviso. No caso da África do Sul, um terço ficará de legado e dois terços serão de improvisação. E não é bom que a Copa acabe assim que se encerre a partida final. O objetivo é fazer com que as obras deixem benfeitorias para os cidadãos do país, tanto de mobilidade, quanto de infraestrutura, segurança...

O senhor considera que houve atropelo da Fifa em planejar uma Copa no continente africano?

Eu diria que não. A Copa, indiscutivelmente, é um super gatilho de desenvolvimento. E faz sair do papel projetos que estavam parados. O aeroporto de Johannesburgo e as avenidas de acesso são espetaculares em razão da Copa. Não sei o grau de importância para o país, mas os estádios são espetaculares. O país inteiro, durante quatro anos, ganha grande visibilidade. Acho que a Copa foi para a África do Sul no momento certo. Também virá para o Brasil em um excelente momento.

Na Copa do Mundo, será possível provar que o apartheid já foi superado?

Não, eles não vão conseguir provar isso. O apartheid durou mais de 40 anos [de 1948 a 1990 – em 1994, ocorreram as eleições livres]. Uma geração inteira viveu isso e todo um sistema foi montado em cima disso. A estrutura das cidades ainda tem a ver com o apartheid: existem partes negras e partes brancas. Até na preferência pelos esportes há divisão: brancos preferem o rúgby, e os negros, o futebol. É até estranho falar dessa maneira, divindido as pessoas em cores, mas é o que acontece lá. Ainda levará algumas gerações para que a miscigenação ocorra. Mas a Copa é um bom começo. Até porque o apartheid foi um sistema perverso. Critica-se muito o nazismo, na Segunda Guerra Mundial, mas o apartheid durou até 1994. Isso não sai de um dia para outro. Eles estão trabalhando para resolver. Essa divisão não será vista por quem assiste pela televisão, mas é muito fácil de sentir.

Recentemente, o governo federal informou que financiará apenas obras necessárias à Copa e que possam ser concluídas até o mundial. O senhor entende que a "disputa" entre governo federal e poder municipal pode atrapalhar na organização da Copa do Mundo do Brasil?

Sim, pode sim. Devemos partir do princípio de que a Copa não é apenas um campeonato. É uma espécie de gatilho para as cidades-sedes. É uma grande oportunidade para as cidades implantarem projetos importantes, como metrôs e melhoras de infraestrutura em aeroportos, de comunicação. No meu ponto de vista, as cidades devem usar o evento como gatilho. Fazer aquilo que é possível e necessário. Se a verba só permite duas ou três estações de metrô, é importante começar. E o governo federal deve ajudar no investimento, afinal de contas a Copa é um projeto nacional. Temos uma grande oportunidade de mostrar que somos capazes de se mobilizar para receber um evento desse porte.

A Copa de 2014 pode encerrar o estigma de que o Brasil é um país apenas de futebol, carnaval e mulheres bonitas?

Se for bem organizada, terá um efeito de longo prazo muito bom. Durante quatro anos, o resto do mundo observa o país e há espaço para investimentos. Isso traz dinheiro, visibilidade e turismo. Com um bom trabalho, podemos tirar esse estereótipo de país atrasado. Além da melhora na autoestima, independentemente de quem seja o ganhador da Copa.

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