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Queda de homicídios se consolida em 2022 e gera prova de fogo para governo Lula
Presidente Lula e ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Governo ainda não trouxe diretrizes claras para enfrentamento à criminalidade| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A consolidação de uma expressiva queda de homicídios no Brasil iniciada em 2018 e mantida nos anos seguintes, com pequenas variações, coloca pressão no mandato de Lula quanto à manutenção das mortes violentas em patamares menos elevados nos próximos anos.

Nesta quinta-feira (20), os principais indicadores sobre a violência no Brasil foram divulgados no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, levantamento anual feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Entre os diversos dados, o estudo apontou que em 2022 houve redução de 2,4% nas mortes violentas intencionais na comparação com o ano anterior.

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O total de homicídios registrado em 2022 (47,5 mil) é o menor da série histórica do FBSP iniciada em 2011, quando houve 47,2 mil mortes violentas intencionais. Daquele ano para cá, o ápice da violência no país ocorreu em 2017, quando foram contabilizados 64 mil homicídios. Nos últimos cinco anos, a diminuição de mortes violentas no país chega a 25,8%.

A partir de 2024, quando serão divulgados os indicadores de violência do primeiro ano do governo Lula, será possível dimensionar se as novas políticas de segurança pública – focadas menos no combate ao crime organizado e mais no enfrentamento à violência contra mulheres, no desarmamento da população civil e em políticas de promoção dos direitos humanos – contribuirão para manter a tendência de queda de homicídios.

“Tudo vai depender de o governo atual saber separar as ciências criminais e policiais da ideologia”, avalia o especialista em segurança pública Olavo Mendonça. “Se o governo Lula, mesmo sendo de esquerda, optar por uma abordagem mais pragmática, colocando pessoas sem viés ideológico e focadas no estudo técnico-científico do crime, e por manter as boas políticas públicas deixadas no governo anterior é possível, sim, que esses números se mantenham em queda”, prossegue.

Real efeito das políticas petistas pode ser percebido somente em 2025, diz especialista

Na análise do coronel da reserva da Polícia Militar da Paraíba (PMPB) Onivan Elias de Oliveira, uma percepção mais precisa do efeito prático das políticas implantadas pelo governo Lula deve ser possível somente em 2025, ano em que serão divulgados os indicadores criminais referentes a 2024. Isso porque, segundo o oficial, os índices referentes a 2023 ainda serão bastante impactados por medidas da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que ainda estão vigorando.

“No primeiro semestre deste ano, os dados já mostram uma continuidade da tendência de queda. Há uma forte perspectiva de que o ano feche com números ainda menores do que 2022. Entendo que os números de 2024 serão a primeira prova de fogo sobre as políticas implementadas pelo governo Lula”, diz Onivan.

No entanto, o coronel da PMPB pondera que até o momento a gestão Lula pouco apresentou em relação a uma plataforma estratégica que mostre qual é a política nacional de segurança pública do governo. “Fora o revogaço de armas não vimos nada mais concreto”, diz.

Em relação à política amplamente restritiva do acesso legal a armamento pela população civil, adotada pelo novo governo, Olavo Mendonça afirma que há uma incógnita sobre como a medida se refletirá nos índices criminais. “Temos essa percepção de que mais armas forçam a diminuição da criminalidade devido à sensação de risco ao criminoso. Talvez essa política de frear o armamento civil possa gerar impactos negativos, mas ainda não há estudos confiáveis sobre isso”, explica.

Ações do governo Bolsonaro e dos estados motivaram queda robusta nos últimos anos, dizem especialistas

Para as fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, não é possível determinar isoladamente fatores responsáveis pela redução dos homicídios no Brasil, mas é consenso que nos últimos anos houve maior ênfase no combate à criminalidade e maior investimento em políticas públicas especialmente ligadas ao combate ao crime organizado.

Um desses exemplos é o Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (Vigia), lançado nos primeiros meses do governo Bolsonaro com foco no combate à entrada de drogas e armas em todas as regiões de fronteira e divisas do país. Dados de 2021 do governo mostraram que em dois anos de vigência do programa houve apreensão de 870 toneladas de drogas, 2 mil armas, 4,6 mil veículos e 440 embarcações. O prejuízo estimado às organizações criminosas foi de quase R$ 3 bilhões no período.

Outra política apontada como de alto impacto para a redução da violência foi a determinação de Sergio Moro em fevereiro de 2019, quando ocupava o posto de ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, de isolar líderes de facções em presídios federais.

Ao todo, mais de 320 lideranças do crime organizado foram transferidas para presídios de segurança máxima, onde a rotina é mais rígida e não há possibilidade de comunicação com o exterior. A medida foi um duro golpe no crime organizado e causou uma confusão generalizada nos comandos das facções, que viram estagnarem suas atividades criminosas. Vale destacar que a maior parte dos crimes como roubos e homicídios no Brasil estão ligados ao narcotráfico.

“Na Paraíba, com a transferência de lideranças criminosas locais para presídios federais imediatamente sentimos o reflexo na criminalidade como um todo, principalmente na questão de roubos e mortes”, afirma Onivan. “São políticas públicas adotadas naquele período que influenciaram diretamente a redução das mortes violentas intencionais”, aponta.

Por outro lado, políticas efetivas implementadas pelos estados – responsáveis, por exemplo, pela gestão das polícias militar e civil – também contribuíram para a melhoria nos indicadores de violência. Segundo a nova edição do Anuário, somente no ano passado houve acréscimo de 11,6% no investimento dos estados em segurança pública.

O Sistema Único de Segurança Pública (Susp), sancionado em 2018 pelo então presidente Michel Temer (MDB), também contribuiu para o aumento de repasses da União para estados e prefeituras. Mas, como enfatiza o coronel da PMPB, o aumento por si só do investimento não se traduz em melhoria dos índices de violência.

“Estados como Amapá e Bahia, embora tenham aumentado seus investimentos, ainda assim tiveram elevação das mortes violentas intencionais. Então a melhoria quantitativa do investimento em segurança pública não refletiu na diminuição dos indicadores, ao passo que estados como Santa Catarina e Paraíba também tiveram aumento de investimentos e alcançaram reduções contínuas ao longo desse período”, explica.

Taxa de homicídios ainda é crítica; impunidade, crime organizado e aspectos culturais são complicadores

Apesar da queda de homicídios nos últimos anos, o Brasil ainda figura num quadro de violência extrema. Conforme dados de 2020 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a taxa brasileira de mortes violentas por 100 mil habitantes só é menor do que em países como Colômbia, México, Jamaica e Belize. Com 2,7% da população mundial, o Brasil responde por 20,4% dos homicídios entre os 102 países pesquisados pelo UNODC.

Para Olavo Mendonça, as falhas no sistema de Justiça criminal, que conduzem o país a uma sensação crônica de impunidade, são o principal fator que impacta nos altos índices de criminalidade. “Junto à impunidade absolutamente generalizada que vigora no Brasil está a força do crime organizado, sustentado pelo tráfico de drogas, que se espraia para dentro do Estado conseguindo perverter esferas dos órgãos que deveriam estar combatendo o crime”, diz o especialista.

Já o coronel da PMPB menciona o aspecto cultural como fator determinante para a perpetuação de altos índices de violência. “Na minha visão, o fator cultural mostra que somos um povo de cultura ‘sangue-quente’. Uma parte da nossa população busca resolver as desavenças praticando a violência, frequentemente levando a desfechos letais. Eu diria que culturalmente e historicamente somos um povo que de pacífico tem muito pouco”, afirma.

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