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Em Kaktovik, ursos viram atração turística: problema para os próprias animais e também para as pessoas, que se tornam alvo fácil | Josh Haner/NYT
Em Kaktovik, ursos viram atração turística: problema para os próprias animais e também para as pessoas, que se tornam alvo fácil| Foto: Josh Haner/NYT

Os ursos polares estão por toda parte em Kaktovik, pequeno vilarejo ártico, relaxando em montes de areia, dormindo nas águas rasas e atraindo centenas de turistas que viajam longas distâncias para vê-los. Eles invadem a cidade à noite. E só vão embora à revelia, espantados pela patrulha dos ursos polares com bombinhas e lanternas.

Veja fotos dos ursos de Kaktovik

À primeira vista, eles não parecem ser membros de uma espécie em vias de extinção. Os cientistas contaram cerca de 80 de uma só vez nos arredores de Kaktovik; muitos parecem saudáveis e gordinhos, especialmente no início do outono no hemisfério Norte, temporada de caça às baleias. Contudo, os ursos que chegam a Kaktovik são refugiados climáticos, e estão em terra firme porque o gelo que usavam como base para caçar focas está cada vez menor.

A temperatura do Ártico tem aumentado duas vezes mais rápido do que a do resto do planeta, e a calota de gelo recua a um ritmo que até mesmo os climatologistas que previram o declínio acham assustador.

Boa parte de 2016 foi mais quente que o normal, e o congelamento ocorreu muito tarde. Em novembro, os níveis de gelo marinho no Ártico foram os mais baixos já registrados para o mês. Embora a média de crescimento da calota de gelo fosse maior que o normal do mês, durante cinco dias em meados de novembro ela perdeu mais de 50 mil quilômetros quadrados, um declínio que o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo, no Colorado, considerou “praticamente inédito” nessa época do ano.

Mais ao Sul, no Mar de Beaufort, onde os 260 habitantes de Kaktovik ocupam cerca de 2,6 quilômetros quadrados na ponta noroeste da Ilha Barter, a perda de gelo foi especialmente rápida. O derretimento constante do gelo marinho é uma péssima notícia para os ursos polares, cuja existência depende de uma camada que está se tornando cada vez mais fina e rara, à medida que o clima se torna mais quente.

A maior subespécie de urso e um poderoso predador do topo da cadeia alimentar, o urso polar se tornou o animal símbolo do aquecimento global. Mas mesmo que esse papel tenha ajudado na conscientização, alguns cientistas afirmam que o discurso nem sempre ajuda a explicar a luta dos ursos e ainda abriu as portas para críticas de quem nega o aquecimento global.

“Quando usamos o urso como uma ferramenta de marketing para atrair doações, é muito comum que a mensagem fique mais rasa”, afirmou Todd Atwood, biólogo da vida selvagem no Centro de Ciências da Pesquisa Geológica do Alasca, nos EUA.

Poucos cientistas acreditam que, em longo prazo – a não ser que os países diminuam a emissão de gases do efeito estufa –, os ursos polares estarão enrascados. Além disso, os especialistas preveem que o número de animais irá diminuir à medida que o gelo for diminuindo. Uma avaliação realizada em 2015 pela União Internacional de Preservação da Lista Vermelha da Nature projetou uma redução de mais de 30% no número de ursos polares até 2050, destacando a incerteza na diminuição das populações – e do gelo – nesse período.

Liberação de gases ainda é maior ameaça

A maior ameaça para os ursos polares é algo que nenhuma autoridade regulatória envolvida com a preservação da vida selvagem pode resolver: a emissão desenfreada de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa na atmosfera.

Para muitos pesquisadores, a questão mais emergencial é quantos dias um urso pode viver em terra firme sem uma fonte constante do alimento rico em gordura que geralmente é oferecido pelas focas.

Alguns cientistas sugerem que os ursos poderão aprender formas de sobreviver com outros tipos de alimento – gansos da neve, por exemplo – ou que aprendam a caçar focas na água, sem precisar do gelo como plataforma.

Entretanto, a maioria dos pesquisadores crê que isso seja improvável.

Essas mudanças geralmente demoram milhares de anos para se estabelecer, afirmou David Douglas, biólogo pesquisador da Pesquisa Geológica dos EUA. Contudo, a perda da camada de gelo “está ocorrendo em um ritmo que pode ser acelerado demais, e eles talvez não tenham tempo para adotar comportamentos que sejam mais vantajosos na linha evolutiva”, afirmou.

Em terra firme, ursos precisam se adaptar para conseguir comida

Falta de informações ainda faz com que estes animais sejam classificados, em uma lista de extinção, como vulneráveis

Dezenove subpopulações de ursos polares habitam cinco países em torno do Círculo Polar Ártico – o Canadá, os EUA, a Noruega, a Groenlândia e a Rússia. Desses, três populações, incluindo os ursos polares do Sul do Mar de Beaufort, apresentam queda numérica.

Contudo, outras seis populações se mantêm estáveis e uma está crescendo. Além disso, os cientistas têm tão poucas informações sobre as outras que não é possível afirmar quantos animais existem, nem suas condições de saúde.

Os pesquisadores que realizaram a avaliação da Lista Vermelha concluíram que esses animais devem continuar classificados como “vulneráveis”, ao invés de passarem para uma categoria de maior risco.

Há poucas décadas, os ursos polares do Sul do Mar de Beaufort permaneciam o ano todo no gelo e, caso passassem por terra firme, ficavam pouco tempo. O gelo marinho permitia que tivessem acesso imediato a focas, o principal ingrediente de sua dieta rica em gordura.

Mas à medida que as temperaturas subiram, o derretimento da primavera chegou mais cedo e o congelamento passou a ocorrer mais adiante no inverno. O gelo que antes era visível em Kaktovik mesmo durante o verão retraiu centenas de quilômetros no Litoral.

Por consequência, os pesquisadores descobriram que uma maior proporção dos ursos do Sul de Beaufort resolveram passar mais tempo em terra firme: em média 20% do tempo, comparado com apenas 6% há duas décadas, de acordo com um estudo recém-publicado por Atwood, da Pesquisa Geológica, e seus colegas, que acompanharam fêmeas por meio de colares com transmissores via rádio. Além disso, os ursos estão passando mais tempo no Litoral – em 2016, chegaram em agosto e permaneceram até novembro.

“Eles têm duas escolhas: ou ficam no gelo, ou vêm para o Litoral. Se ficam no gelo e as águas são profundas demais, fica mais difícil conseguir comida”, afirmou Atwood a respeito dos ursos de Beaufort.

A proliferação dos ursos polares em Kaktovik durante o inverno atraiu fotógrafos da vida selvagem, jornalistas e turistas do aquecimento global para o vilarejo, enchendo as duas pousadas do local, ou vindo de Fairbanks em aviões fretados para passar o dia.

Cerca de 1,2 mil pessoas vieram observar os ursos em 2015, e os número crescem a cada ano, de acordo com o guia inupiat Robert Thompson.

O crescimento no turismo foi uma bênção econômica para algumas pessoas em Kaktovik, embora seja um incômodo para outras. Os turistas ocupam lugares nos pequenos voos comerciais que vêm e vão da cidade durante os meses de outono, quando os ursos vêm para cá, atrapalhando a vida dos moradores que precisam ir a Anchorage ou Fairbanks. Além disso, muitos visitantes passeiam pelo vilarejo tirando fotos sem pedir permissão.

Contudo, à medida que o gelo do Ártico continua a encolher, os ursos chegam em pior estado e permanecem por mais tempo. A interação entre esses animais e seres humanos tem se tornado mais comum, expondo os ursos polares a mais estresse e as pessoas a mais perigo.

  • O derretimento constante do gelo marinho é uma péssima notícia para os ursos polares, que têm de aprender a passar mais tempo em terra firma
  • Símbolo do aquecimento global, ursos polares podem entrar em extinção, alertam especialistas
  • Em Kaktovik, crescimento do turismo estressa ainda mais os ursos e põe pessoas em perigo
  • Condições climáticas desfavoráveis fazem os ursos que chegam a Kaktovik se tornarem refugiados climáticos
  • À medida que o gelo do Ártico continua a encolher, ursos chegam à “terra firme” em pior estado e permanecem por mais tempo
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