Nos últimos meses, os casos de censura por parte do Judiciário se multiplicaram no Brasil, afetando especialmente pessoas e veículos associados à direita. Ao mesmo tempo em que sentenças judiciais "institucionalizam" a censura no Brasil, outro tipo de cerceamento da liberdade de expressão também tem preocupado conservadores brasileiros: aquele exercido pelas próprias redes sociais e plataformas.
Na quinta-feira (12), sem nenhum pedido judicial, o YouTube desmonetizou o canal da Revista Oeste, alegando que o veículo violou as suas diretrizes, mas sem dar detalhes sobre quais conteúdos teriam provocado a decisão. Em novembro do ano passado, também sem pedido judicial, algo parecido ocorreu com a Jovem Pan: o YouTube decidiu desmonetizar todos os canais da emissora paulista por considerar que eles propagaram "desinformação eleitoral". Para justificar a censura, a plataforma alegou que o veículo brasileiro incorreu em “repetidas violações das nossas políticas contra desinformação em eleições e nossas diretrizes de conteúdo adequado para publicidade”.
Também no ano passado, a Meta, empresa que controla Facebook e Instagram, anunciou que começaria a remover por conta própria – sem ser acionada pelo Judiciário – postagens que pedissem intervenção militar, de acordo com o portal G1.
Durante a corrida eleitoral, as redes sociais viraram extensões do Judiciário no exercício da censura. Em outubro, antes do segundo turno das eleições, o jornalista Rodrigo Constantino sofreu shadowban do Instagram – isto é, uma restrição temporária para diminuir o alcance de suas postagens.
O shadowban, aliás, tem sido uma prática comum das redes sociais contra conservadores em todo o mundo. No início de dezembro, como parte do escândalo denominado Twitter Files, a jornalista norte-americana Bari Weiss revelou as estratégias do Twitter para limitar a visibilidade de tuítes de usuários da direita nos EUA. Segundo ela, a rede construía listas para evitar que certos tuítes se tornassem tendência, e limitava ativamente a visibilidade de algumas contas ou até de tópicos do momento.
Na pandemia, também sem pedido judicial, as redes sociais atuaram para impossibilitar a veiculação de informações que contrariassem o consenso politicamente correto sobre Covid-19 e vacinas. Em agosto, por exemplo, a jornalista Paula Schmitt foi banida do Twitter por veicular informações relacionadas à pandemia da Covid-19 que contrariavam as ideias politicamente corretas sobre o assunto.
A censura na pandemia promovida pelas redes afetou diversas contas, inclusive de médicos respeitados no mundo acadêmico que mencionaram estudos contrários ao consenso politicamente correto. Em 2021, o YouTube chegou a remover opiniões médicas comunicadas em audiências públicas da Câmara pelo simples fato de que elas não reproduziam as visões do establishment sobre a Covid.
Falta de explicação das redes sociais preocupa conservadores
No dia 24 de novembro, o Instagram bloqueou temporariamente a conta do psiquiatra Ítalo Marsili no Instagram. “Qual o motivo pelo qual ela foi bloqueada? Ora, quem pode saber? A gente não recebe uma comunicação clara. O acesso aos dirigentes do Instagram/Facebook está entre as coisas mais dificultosas e ocultas da face da Terra”, comentou Marsili, que tem quase 2 milhões de seguidores na rede.
A falta de clareza das plataformas sobre os motivos que levam ao bloqueio de contas e à remoção de conteúdo é uma das maiores fontes de incômodo dos conservadores que sofrem perseguição. Ao contrário do Poder Judiciário – que, bem ou mal, é obrigado a apresentar uma justificativa da censura nos autos de suas decisões –, as redes sociais podem cercear a expressão sem sequer apresentar razões.
“Temos opinião e tratamos de fatos, e fatos precisam ser contestados. Peço que me informem o que é nocivo. É opinião? Opinião a gente omite. Opinião é livre. Como uma opinião pode ser nociva? Estamos pedindo que haja alguma luz sobre essa escuridão”, comentou o jornalista Augusto Nunes, do conselho editorial da Revista Oeste, em vídeo publicado no site do veículo.
Em dezembro de 2022, Roberto Motta, comentarista da Jovem Pan News, exibiu pelo Twitter um diálogo que teve com a equipe do YouTube sobre a desmonetização do seu canal no site. A conversa, que pode ser lida na íntegra pelo perfil de Motta no Twitter, parece um enredo kafkiano.
“A monetização em seu canal foi desativada porque descobrimos que seu canal não está em conformidade com os termos do Programa de Parcerias do YouTube”, disse uma funcionária da empresa.
Motta respondeu: “Eu revisei todos os documentos de política que vocês continuam recomendando que eu leia. Eu não violei nenhum dos termos de sua política. Nem um sequer. Se vocês afirmam que eu fiz isso, vocês devem me explicar exatamente o que aconteceu. Caso contrário, vocês estão apenas me colocando na posição impossível de ter que revisar todos os vídeos que postei e tentar imaginar quais partes de quais vídeos podem ter violado sua política.”
Sem atender ao pedido de Motta – que queria uma explicação sobre o motivo da censura –, outro funcionário do YouTube mandou a seguinte resposta: “Eu entendo totalmente seu ponto de vista, no entanto, não posso ajudar mais porque minhas mãos estão atadas e, ao mesmo tempo, temos uma equipe separada que revisa esse processo. Apenas para informar, seu canal já foi analisado por nossa equipe interna, que esgotou todos os esforços e analisou todos os ângulos possíveis para determinar se seu canal é ou não elegível para monetização. Com isso dito, confirmamos que você não está qualificado no momento e que a decisão é final”.
Por que os usuários ficam de mãos atadas contra a censura?
A sensação de mãos atadas em relação ao poder das redes sociais é agravada por uma lacuna na legislação. Juridicamente, as redes sociais gozam hoje do melhor de dois mundos: podem fazer escolhas editoriais tal qual os jornais e outras empresas de mídia, mas não se responsabilizam pelos conteúdos ilegais publicados em seus sistemas.
Um veículo de comunicação como a Gazeta do Povo, por exemplo, escolhe livremente aquilo que publica em suas plataformas, mas precisa arcar juridicamente com essas escolhas, e pode ser responsabilizado na Justiça por eventuais danos causados por suas opções editoriais.
Já um provedor de serviços como a sua operadora de telefone, por exemplo, não pode “bloquear, monitorar, filtrar ou analisar” os conteúdos que você consome, e “tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados”, de acordo com o que prevê o Marco Civil da Internet de 2014; não pode ser culpado, no entanto, daquilo que você, usuário, fizer de errado na internet.
Trata-se do princípio da neutralidade da rede: os provedores de internet são somente ferramentas de acesso à rede, e não editores de conteúdo. De acordo com o Marco Civil, esses provedores não são responsabilizados pelo conteúdo publicado por terceiros, mas devem agir de boa-fé para remover conteúdo ilegal quando notificados.
A empresa de mídia tem a vantagem de poder deliberar sobre aquilo que quer publicar, mas o ônus de se responsabilizar sobre o conteúdo que divulga; o provedor de serviços tem a vantagem de não ser responsabilizado por aquilo que seus usuários publicam na internet, mas o ônus de não poder fazer uma curadoria sobre o que é publicado.
As redes sociais no Brasil, hoje, têm as duas vantagens mencionadas, sem nenhum ônus, o que lhes dá um poder maior do que o de qualquer outro tipo de empresa de comunicação. O Marco Civil da Internet não solucionou esse dilema.
Recentemente, em um raro caso no mundo de legislação pensada para resolver esse impasse, o estado americano do Texas vetou a moderação de postagens motivada pela manifestação de pontos de vista ou opiniões. A lei reserva às plataformas o direito de moderar certos conteúdos, como pornografia infantil, incitação a atividades criminosas, ameaças de violência ou discriminação racial. Fora do que é previsto em lei, contudo, a censura é proibida, e o usuário censurado pode ser indenizado.
Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou (PL) a editar uma Medida Provisória semelhante à lei texana, que alterava o Marco Civil da Internet para limitar a remoção de conteúdo pelas redes sociais. A MP foi tratada de forma pejorativa por grande parte da imprensa, ganhou nota crítica da OAB, foi devolvida pelo Congresso e convertida em um projeto de lei cuja tramitação está parada.
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