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Literatura

Rosala Garzuze, um século entre musas e poetas

Ativo e bem-humorado aos 103 anos, o professor mantém as lembranças do movimento simbolista bem vivas na memória

Afastado das salas de aula há quase duas décadas, Garzuze se dedica ao ensino a distância. | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Afastado das salas de aula há quase duas décadas, Garzuze se dedica ao ensino a distância. (Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo)

O professor e escritor Rosala Garzuze, que veio do Líbano para Curitiba há 100 anos, lembra até dos detalhes do trajeto que fazia no extinto bonde Curitiba-Portão na sua juventude . Ele tomava a condução com destino ao Templo das Musas, obra arquitetônica idealizada pelo escritor, poeta e filósofo carioca Dario Veloso, do qual foi seu aluno.

A chegada de Veloso em Curitiba, no fim do século 19, deu ares gregos à cidade. O escritor é considerado um dos expoentes do movimento literário simbolista, ajudou a transformar a vida cultural dos curitibanos e fez com que a cidade tivesse seus dias de Belle Époque.

A relação com Dario Veloso não se resumia a de aluno-professor. Além de uma grande amizade, Garzuze se casou com a filha do poeta, Carmem. Ficaram juntos mais de 50 anos até que ela morreu, em 1985. Do professor, ele lembra a ternura. "Dario era um velho jovem, sempre sorridente e muito atencioso com todas as criaturas que o procuravam." O primeiro encontro entre eles foi em 1929. Garzuze passou a frequentar o Templo das Musas, cuja construção completou 90 anos no ano passado, e não saiu mais. Mora no local até hoje, que abriga o Instituto Neo-Pitagórico, e continua a organizar e frequentar as reuniões que ocorrem ali. O templo, localizado no bairro Vila Isabel, não está no roteiro turístico da cidade, apesar de toda a história que abriga. Foi inspirado na cultura grega e causou furor na época que foi construído, há 91 anos.

Intelectuais brasileiros vinham à capital paranaense para as reuniões do Templo. Músicos, artistas, poetas, escritores e declamadores queriam conhecer a Curitiba grega. Entre os visitantes ilustres estavam o pianista Arnaldo Estrela e as declamadoras Ângela Vargas e Georgina Mongruel. Além deles, paranaenses ilustres também eram frequentadores do templo, como Alfredo Andersen e Emiliano Perneta, coroado como o "príncipe" dos simbolistas. A construção tem o nome de Templo das Musas porque na mitologia grega elas representavam simbolicamente toda a cultura humana.

Trajetória

Garzuze chegou ao Brasil com 3 anos de idade. Completou 103 na última segunda-feira, dia 2. Apesar de estar longe das salas de aulas há quase duas décadas, ainda continua lecionando para todos que estão dispostos a aprender. Seu mais recente trabalho é reorganizar um curso a distância de Filosofia oferecido pelo instituto. A memória o acompanha como se os anos não tivessem passado. Garzuze lembra até o nome da mercearia onde tinha de descer para chegar ao templo: Armazém do Chico. A receita? "Não há receita, está escrito no código genético", diz, mostrando que o tempo também não levou o bom-humor.

Garzuze começou a carreira dando aulas para os colegas do Ginásio Paranaense. Entrou para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas continuou como docente, lecionando na Escola Estadual de Educação Física, no Conservatório de Canto Orfeônico, atual Faculdades de Artes do Paraná, e na própria UFPR. Além disso, foi um dos fundadores do Colégio Novo Ateneu, que originou o Centro Universitário Curitiba.

Quando questionado sobre as mudanças que ocorreram na capital nos últimos anos, Garzuze sorri e pensa antes de responder. Ele, que acompanhou toda a trajetória da cidade no século 20, lembra de uma Curitiba distante que só existe na memória. "A cidade era a Rua XV, a Marechal Deodoro e parte da Marechal Floriano. O resto era um mundo primitivo." Ainda chama os bairros de arrabaldes, herança do árabe arrabad, que significa subúrbio. "Hoje os arrabaldes pouco se diferenciam do centro, haja vista a Vila Izabel, cheio de arranha-céus por toda a parte". A cidade mudou, mas Garzuze ainda está lá para ensinar a quem quiser aprender.

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